Arquivo VAGALUME

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A RUA DOS PRAZERES INFANTIS

Por Rosane Corrêa

Casa onde nasceu a autora, atua Rua Santos Dumont. dez/1973, acervo da autora.


Nasci na antiga Rua da Laje, hoje Santos Dumont. A rua era a única que dava acesso ao centro comercial da cidadezinha a quem vinha de Itaperuna,Venda das Flores, da usina Santa Rosa e das grandes fazendas e sítios. Por ela passavam também muitos trabalhadores da Fábrica de Tecidos São Martino, atentos ao apito estridente que teima em se manter gravado na minha lembrança. Às vezes, tenho a impressão de ouvi-lo, tamanha é a magnitude dessa lembrança. 
Durante o dia, a rua era bem barulhenta. Hoje, mesmo com duas outras paralelas, é mais barulhenta ainda. É que a mão dupla continua e o tráfego é cada vez mais intenso. Culpa das facilidades criadas para a compra de veículos! Só que agora, a coisa piorou, é barulhenta também à noite. São várias igrejas das mais variadas crenças, casas de diversão com músicas altíssimas, um passar sem fim de veículos a perturbar os poucos moradores que ainda restam, porque a minha ruazinha, cenário de tantos piques e brincadeiras de roda, agora é essencialmente comercial.
Naquele tempo, o silêncio noturno era quebrado apenas pelos nossos gritos de crianças em algazarra atrás das bolas, petecas, brincando de pique-bandeira, queimada de chicotinho queimado ou pulando corda Às 22 horas a farra acabava. Todos procuravam o rumo de casa, porque no dia seguinte a aula começava às 7 horas no Grupo Escolar Dr. Prudente de Moraes. A paz trazida pelo silêncio tão necessário ao descanso dos humanos reinava a partir de então. Podia-se ouvir o coaxar dos sapos e os menores sons característicos da noite numa típica cidadezinha do interior. A sinfonia formava-se com doces acordes e embalava o nosso sono e quem teimava em lutar contra o sono, podia abrir as janelas e apreciar o piscar coloridos dos vagalumes. Por falar nisso, por onde andam eles?
Nossas brincadeiras de rua eram as mais diversas. Brincava-se até mesmo durante o dia! Com trânsito bem menor que o de hoje, no meio dela rodávamos bambolê, pulávamos corda, jogávamos peteca, tirávamos piques de várias modalidades, além de soltar muitas pipas que enfeitavam e coloriam o céu. Quando apontava na esquina um carro, recuávamos para lhe dar passagem e logo a brincadeira retomava seu rumo. Nas calçadas, as amarelinhas e sentados no meio-fio, brincávamos de passar-anel. Sabe o que é isso, “passar anel”? 
Os vizinhos formavam uma só família e ao entardecer já começavam a surgir as primeiras cadeiras nas calçadas. Enquanto as mães conversavam, a criançada brincava. Juju (José Saraquino/Filhinha), Rita (João Bucker/Lilica), Maurício (Mário Medeiros/ Áurea), Luisinho (Luís Barreto/Maninha), Raquel (Betinho Tostes/ Filhinha), Regina (Lelé/Catarina), Ivan e Durval (Ocário Bastos/Titina), Rosinha, Antenor, Aurinha ( Afrânio/Geny), Perciliana e Luís (Zé do Rádio/Ieda), Marila, Lucinha, Regina (Luís da Máquina de Arroz/ Margarida), José Carlos e Lourdes (da D. Marieta), Victor (Waldemar Samel/Benedita), Maria José e eu (Zé Bombeiro/Yolanda) éramos as crianças da rua naquele tempo. Brincávamos e brigávamos também. Era comum “ficar e mal” e dias depois “ficar de bem”, sem muita explicação.
Recordo que, numa tarde de Carnaval, já toda enfeitada para o baile infantil no Aero Clube, um colega lançou um líquido vermelho na minha roupa colorida e rodada. Não perdi tempo. Pedi ajuda a minha irmã que rodava bambolê e juntas caímos de “bamboleadas” nele. Deu uma confusão!!! Ficamos de mal por um bom tempo. Coisas de criança...
Muitas noites eram de grande romantismo se a lua cheia reinava nos céus da minha infância. Sentávamos nos paralelepípedos e soltávamos a voz com as canções de sucesso no momento, lapidando as cordas vocais. Era um ensaio, uma prévia para o programa de calouros da Rádio Princesinha do Norte Fluminense, que acontecia aos domingos no Aero Clube (onde, no térreo, funcionava a rádio) com direito a auditório quase sempre cheio e muitos prêmios aos vencedores. Sonhávamos com o mesmo sucesso dos cantores que ouvíamos pelos nossos rádios, aqueles aparelhinhos, quase sempre pretos e pequenos, com tecido grosso cobrindo o microfone. Lá em casa tinha um rádio assim. Mas como era majestoso! Reinava em cima de um móvel pesado e comprido de madeira, e funcionava nos momentos de lazer.
Acabada a obrigação, todos estavam liberados para “brincar na rua”. Nada de pracinha, Lan House, shopping, televisão, videogame ou cinema. Só existia o “jardim”(Praça Dona Ermelinda) que ficava reservado para os passeios com a família aos domingos e a pracinha do coreto em frente à Igreja, com árvores cuidadosamente aparadas na forma oval, o coreto ao centro, onde brincávamos de pique-esconde. 
Mas, era a nossa rua o ponto de referência das traquinagens, onde acontecia o melhor do convívio do dia a dia. Se a infância daquela época era melhor do que a de hoje, sinceramente não sei. Vejo que as crianças hoje têm outra forma de viver a infância, uma forma muito individual. Os avanços da modernidade tiraram o melhor da vida infantil: o contato com as coisas naturais, o dom de criar seus próprios brinquedos, a proximidade com as pessoas, as conversas tão esclarecedoras e cheias de fantasias que levavam a sonhos e sonhos futuros. Que a vida naquela época era mais saudável, disso não tenho dúvida. E como deixou saudades!!!

4 comentários:

Anônimo disse...

Angel

Lindo texto. estou sentido falta do jornal liberdade de expressao quem mudou o site nao colocou um link para podermos continuar saboreando textos deste quilate. avisa tia ricarda se puder abrcs MUNDINHO

AngelMira disse...

Olá, Mundinho,
Está ai o novo link do jornal: http://www.liberdadedeexpressaomiracema.com/

Vou atualizar na coluna da direita.
Feliz Natal!

Anônimo disse...

ANGEL

muito obrigado pela atencao um final de ano maravilhoso para vc e familia saudacoes a MIGUELAO

MUNDINHO

AngelMira disse...

Oi Mundinho,
Pra você e toda a família também.
Se inspire e escreva sobre sua rua...
Vamos reavivar o ambiente por aqui.

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