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domingo, 9 de janeiro de 2011

Aécio Neves: a única saída para a oposição

Por Rudá Ricci*

1- Não é rima, mas é solução (para a oposição)

Nos primeiros seis anos do governo Lula, Aécio foi cortejado e até citado como possível sucessor à Presidência da República. Para ministros, Lula orientava para nunca atacarem Aécio. Logo após a primeira eleição, Lula, num encontro com petistas no Minas Centro afirmou que trataria o governador mineiro como se fosse petista. Até 2008, a relação com Aécio parecia amistosa. Para o público externo, o político mineiro fazia críticas pontuais e quando alterava o tom, o alvo era o PT e não Lula. Mas em conversas reservadas, se queixava que os acordos políticos com o Presidente petista o expunham em demasia, mas nunca envolviam o nome de Lula da mesma maneira. Para um editor de política de um jornal de prestígio, demonstrou contrariedade com o jogo no qual estava envolvido. 

O fato é que Aécio Neves se expôs, efetivamente, na campanha em que João Leite foi claramente cristianizado. Em todas eleições que presididas por Aécio como governador mineiro, a transferência deste líder tucano foi confirmada. Foram abençoados por esta dádiva candidatos ao Senado, à Assembléia Legislativa, à Prefeitura de Belo Horizonte e Câmara Federal. Nas eleições presidenciais sempre pairou a certeza que armou sua máquina política para apoiar efetivamente Lula. Alckmin e Serra sentiram na pele como se faz política em Minas Gerais. A ação pública não é considerada nem mesmo pelo eleitor mineiro. Certa vez, ainda recém chegado de São Paulo, recebi um conselho de um colega professor da PUC-Minas. Dizia que em Minas Gerais tudo se resolve nos corredores, nunca em público, e que a discrição é sempre bem vista. Não sei ao certo de onde vem esta tradição. Mas há um dedo da sabedoria política da igreja católica. Estudos weberianos sempre destacaram a necessidade de demonstração pública para confirmação da fé católica, ao contrário dos protestantes. Casamentos, velórios, batizados, todos eventos são mais que públicos. Um paradoxo, já que a fé é uma escolha íntima. O jogo político do alto poder católico se faz assim: os rituais públicos não se confundem com os processos decisórios. Se um dia a homilia da palavra foi, de fato, um momento de debate público (Santo Agostinho ganhou respeito e temor nos debates que travou nas igrejas), esta prática foi, aos poucos, sendo cada vez menos participativa e mais curta. Apenas para registro, homilia vem do grego e significa conversar, repartir familiarmente. 

Tancredo Neves ficou famoso por armar sua candidatura no Colégio Eleitoral em plena campanha pelas eleições diretas para Presidente da República. Expôs sua sabedoria política mineira em muitas frases. A que considero a mais emblemática é a que dizia que nunca entrava numa reunião sem saber o seu resultado antes. 

Aécio Neves é mais silencioso que o avô. E, por este motivo, mais enigmático e seus atos sujeitos a interpretações múltiplas. Este é o personagem único de uma oposição nacional em frangalhos. Lula, em seus oito anos de governo, montou uma estrutura de poder que desarmou os caminhos da oposição. Junto ao grande empresariado, focou investimentos do BNDES. O PAC forjou um amplo cronograma de fluxo de recursos públicos para grandes obras. Uma espécie de grande edital. Do outro lado, a política assentada na transferência de renda, crédito consignado e aumento real do salário mínimo solapou a comunicação da oposição com a grande massa da base social brasileira. A oposição já não tinha bom relacionamento com as redes sociais e entidades sindicais. Mas o financiamento federal de parte deste segmento da sociedade civil impossibilitou qualquer tentativa de aproximação. Contudo, o golpe mais significativo foi a coalizão presidencialista, armada após a crise provocada pelo mensalão. A coalizão dividiu o sistema partidário entre lulistas e não-lulistas. Os partidos governistas perderam identidade. Passaram a defender o programa de governo. E só. À oposição restou pouco. Lula perseguiu o esvaziamento do DEM. E obteve sucesso. O tratamento foi distinto com o PSDB. E o bom relacionamento com Aécio Neves foi providencial. Desde o início esta parceria dividiu os tucanos antes liderados exclusivamente pelos paulistas. Nunca antes a liderança nacional do partido havia ultrapassado os limites do mais rico Estado brasileiro. Mesmo o prestígio de José Richa sofreu com a sombra de um Mario Covas. As ilustrações são fartas. Mais à esquerda, os partidos de oposição somados não conseguiram atingir 1% da preferência do eleitorado nacional. 

2. As dificuldades atuais de Aécio Neves 


A única esperança da oposição tem nome e sobrenome. Mas Aécio Neves não vive momentos de conforto. Ulysses Guimarães dizia que bom político não perde eleição em sua terra natal. Uma dessas frases que causam efeito, mesmo não correspondendo à verdade. Mas é fato que sem o controle absoluto que construiu no segundo colégio eleitoral do país, a força de Aécio diminui consideravelmente. O primeiro problema de Aécio é similar ao de Lula: se seu sucessor – desconhecido, até então, pelo mundo político – obtiver sucesso, fará sombra às suas pretensões. E Antonio Anastasia não parece disposto a apenas mudar a guarda do governo estadual. Sinaliza algumas mudanças importantes. Montou o secretariado com mão de ferro. A ponto de gerar grande insatisfação na base aliada. Impôs uma lei delegada que lhe confere grandes poderes para tomar iniciativas de peso sem autorização da Assembléia Legislativa. Anunciou que implantará a segunda geração do choque de gestão, agora declaradamente apoiada na experiência da Nova Gestão Pública do Reino Unido. No Brasil, esta proposta gerencial já havia sido cunhada por Luiz Carlos Bresser Pereira de Estado Gerencial. Em termos gerais, caracteriza-se por três elementos centrais: valores gerenciais de mercado, para definir a performance pública (em alguns casos, sugere-se a criação de paramercados, ou seja, a transferência de rubricas orçamentárias fixas para agências ou administradores públicos que passam a organizar concorrências públicas para realizar compras e algumas modalidades de prestação de serviços); reforça-se o papel dos administradores e gerentes; as hierarquias de gestão são substituídas por administração por contrato. Anastasia foi mais longe e anunciou a criação de Comitês de Gestão. O mais inusitado para o estilo tucano de governar é a criação do comitê para assuntos sindicais. A tensão constante dos governos tucanos com as organizações sindicais pode sofrer uma inflexão. 

Enfim, se Anastasia lograr sucesso, se distanciará do modelo aecista. Mas nada que indique que não apoiará as pretensões políticas de seu criador. O problema é que a pauta de gestão de Aécio ficou datada. Com a crise aberta pelos EUA em 2008, os modelos neo-keynesianos e seus afilhados emergiram. E Aécio não renovou seu discurso. Sua agenda ainda se vincula aos anos 1990. Nada que a grande massa de eleitores leve em consideração. Mas perde brilho no debate nacional. A pauta de exportação de produtos de baixo valor agregado e o recente anúncio de corte de investimentos do setor siderúrgico (6,4 bilhões de reais em investimentos na CSN em Congonhas/MG e, 400 milhões de reais previstos para a CSN de São Brás do Suaçuí) revelam a debilidade e inadequação da ação do governo estadual, passivo em relação à movimentação dos agentes econômicos em Minas Gerais. 

Mas Aécio tem outros problemas a resolver. Até então, lideraria a representação mineira no Senado. Além dele, Itamar Franco e Eliseu Resende compunham uma só estratégia política. Contudo, com o falecimento de Eliseu Resende, assume a vaga o Presidente da Confederação Nacional do Transporte, Clésio Andrade, do PR. Em entrevista milimetricamente pensada, Clésio anunciou ruptura com Aécio Neves. Sob a chamada “não seguirei orientação de Aécio”, entrevista publicada pelo jornal Hoje em Dia de 07 de janeiro, antes mesmo da posse dos novos eleitos, revelou suas pretensões: ocupar a liderança da oposição ao aecismo em Minas Gerais, a partir do vácuo aberto com a derrota de Hélio Costa e o desmantelamento do PT mineiro. Logo no início revela o momento da ruptura com Aécio: 

[A relação com Aécio] “Sempre foi muito boa, mas nos distanciamos desde janeiro do ano passado e fizemos o último contato quando discutimos a candidatura do Senado, da qual ele teve que caminhar com o Itamar e não houve condições de avançar mais nessas negociações. Como estávamos mais avançados com o PT, PMDB e todo esse grupo, eu preferi seguir apoiando a Dilma e criamos essa alternativa. Não houve mais diálogo político com ele, mas nada impede que possamos conversar. Mas não vou seguir a orientação dele de fazer oposição que vá prejudicar Minas Gerais.” 

Há, ainda, uma fissura aberta entre tucanos mineiros. Danilo de Castro e Nárcio Rodrigues, dois expoentes do aecismo, disputam há anos o comando do partido. Lideranças parlamentares dos tucanos sugerem que Nárcio prepara seu filho, Caio, para sucedê-lo na política. A imprensa mineira sustenta que o desejo de Nárcio é o Senado. Já Danilo de Castro não demonstra pouco apetite. Seu filho, Rodrigo, foi o deputado federal mais votado em Minas Gerais, nas eleições de 2006. Em 2010, repetiu a dose, superando 210 mil votos, à frente de Nárcio Rodrigues (101 mil votos). 

3. Estilos distintos: da balcanização ao centralismo

Haverá mudanças de estilo e rumo do PSDB mineiro com Anastasia à frente do governo. As diferenças são claras. Aécio delegava a administração do Estado e criou um triunvirato de gestão apoiado em Danilo de Castro (gestão política), Antonio Anastasia (gestão administrativa) e Andrea Neves (gestão de convênios e imagem). A governabilidade foi construída a partir da balcanização. A disputa e a gestão política no Estado foram transferidas para os territórios. Aécio delegou para operadores políticos regionais a administração dos conflitos e demandas locais. Expediente que o liberou para a grande política e as articulações nacionais. E elemento central de seu jogo de cena, muitas vezes despercebido pela grande imprensa nacional que se pautou pelos eventos públicos, desconsiderando as “conversas de corredor”. Os comitês eleitorais suprapartidários foram fartos e constantes durante a gestão Aécio. De Lulécio a Dilmasia, os exemplos foram até publicados, mas raramente analisados como modus operandi do governo estadual. Por seu turno, a Assembléia Legislativa foi agraciada com emendas parlamentares com percentual fixo no orçamento estadual. 

Anastasia não parece adotar esta estratégia. Muito mais técnico, é centralizador e administra com o olho nas metas e resultados. O temor que secretários revelavam quando da visita da equipe de auditoria interna que ele ampliou indicava o seu jeito de governar. A Auditoria Geral do Estado (AUGE) foi reestruturada por lei delegada (número 92/2003) que criou a Superintendência Central de Auditoria de Gestão (SCAG). A SCAG passou a avaliar os resultados da ação governamental e as metas dos projetos estruturadores. A lógica adotada é a de gestão por processos, onde são identificados os resultados esperados (com impacto social) e a organização do Estado para atingir tais resultados (além dos condicionantes internos, como qualidade fiscal e eficiência técnica). O gráfico, a seguir, sintetiza esta prática de organização governamental, indicando o lugar dos projetos estruturantes, prioridades de governo, e a adoção de um projeto âncora, de maior visibilidade e impacto: 



Aqui, a inspiração veio do Chile, da Alta Dirección Pública (SADP), denominação que em Minas Gerais foi rebatizada como Estado para Resultados (EpR). Na formulação original: 

“A atuação do empreendedor público é orientada por um plano de trabalho, documento elaborado pelo próprio profissional, validado pelo gestor imediato e pactuado com o Estado para Resultados. O plano de trabalho define as chamadas “entregas” a serem cumpridas durante 12 meses, ou seja, os projetos e ações considerados estratégicos e que vão direcionar a atuação do empreendedor no dia a dia de trabalho. O plano é o principal subsídio da avaliação dos empreendedores públicos para fins de pagamento de remuneração variável. Atualmente, existem cerca de 85 empreendedores públicos (são 90 cargos disponíveis) no Governo de Minas. Eles estão alocados em projetos e áreas de atuação estratégica do Estado.” (Cf. http://www.estadopararesultados.mg.gov.br/noticia-em-destaque/399-governo-de-minas-cria-forca-tarefa-para-auxiliar-na-implantacao-de-projetos-estrategicos) 
Nesta concepção a estrutura gerencial é a própria essência do governo. A política é transportada para núcleos desta estrutura, no caso atual, para os comitês recém criados por Anastasia. Algo que, obviamente, não substitui a gestão política e a construção da governabilidade. O que cria uma incógnita de como o novo governador atuará neste terreno. A opção mais fácil é a de delegar a função para Danilo de Castro, o todo poderoso Secretário de Governo. Neste caso, a Secretaria de Governo se tornaria uma supersecretaria. O que, por si, conflita com o estilo de Anastasia.O aprendizado neste campo será mais duro. E, talvez, crie espaços para Aécio reafirmar sua liderança estadual, de tempos em tempos. 

O fato é que fora da opção Aécio Neves não há esperança para a oposição. Não há liderança de porte nacional. A derrota de Serra para um neófito na política revela que não basta administrar o maior colégio eleitoral e o maior orçamento estadual para ganhar o país. E por tudo o que se escreveu, é possível projetar os seus próximos passos e dificuldades. Aécio dificilmente entrará em choque com a Presidente Dilma, ao menos até as eleições de 2012, quando as forças políticas são medidas em escala nacional. Possivelmente explorará as fissuras internas da composição do governo federal, atuando sobre o “bloquinho” (PDT, PSB e PCdoB) e tentando desesperadamente ingressar no nordeste com força e alta exposição. Com Alckmin como aliado evidente, restaria a ação de Ciro Gomes como aríete. Aécio sabe que Ciro Gomes é uma faca de dois gumes, uma aposta sempre arriscada. Tentou ampliar sua interlocução aproximando-se do governador Eduardo Campos. Mas o poder de fogo do governo federal é maior e o governador pernambucano foi reconduzido ao ninho lulista. Aliás, o senador mineiro acusou o golpe quando a FIAT anunciou parte de seus investimentos futuros em Pernambuco. Este jogo político, de Aécio tentando ampliar seu espaço de influência geográfica e o governo federal tentando recortar e limitar estes espaços, será a tônica dos próximos dois anos. O jogo ficará mais apimentado na medida em que Aécio elevar o tom para criticar alguma política do governo federal. A partir de 2012, com as forças devidamente comprovadas, a tensão deve aumentar. 

No terreno mineiro a situação será mais complexa. Terá, agora, Clésio Andrade em seu calcanhar. E o sucesso e diferença do estilo Anastasia de governar como sombra sobre seu legado. A hipótese mais visível é a mediação com lideranças partidárias de sua base aliada e com lideranças regionais do Estado. O que exigirá grande parte da sua agenda pessoal deslocada para Minas Gerais. 

Se conseguir equilibrar esta difícil agenda, entre Minas Gerais e o nordeste, revelando-se um importante mediador entre forças oposicionistas e descontentes com o governo federal, além de renovar sua plataforma e agenda de Estado, será um importante personagem da política nacional e Príncipe das Oposições. Caso contrário, suas dificuldades abrirão uma fratricida guerra entre oposicionistas. E o lulismo continuará reinando em terras tupiniquins. 

*Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Diretor Geral do Instituto Cultiva (www.tvcultiva.com.br) e membro do Fórum Brasil do Orçamento. Autor de “Lulismo: da Era dos Movimentos Sociais á Ascensão da Nova Classe Média Brasileira” (Editora Contraponto). Blog: rudaricci.blogspot.com. E-mail: ruda@inet.com.br .

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