DELÍCIA HISTÓRICA
Descrição feita pelo farmacêutico bretão Alexander Bréthel (1834/1901) em carta a parente em France,da viagem que faria para ir da Corte ao Arraial de Nossa Conceição dos Tombos do Carangola, MG, um povoado de umas 30 casas, nos idos de 1866, onde foi estabelecido com a única farmácia num raio de 20 léguas e nenhum médico.
'Desejais vir até cá? Então, adeus ao Rio, à bela cidade voluptuosa e rica, situada ao fundo de magnífica baía. O vosso barco a vapor desliza por entre embarcações embandeiradas com as côres de tôdas as nações do mundo. Passareis pelo canal, pela fortaleza de Santa Cruz, junto ao monte Pão de Açúcar; as ondas são fortes, a terra desaparece, e estareis ao largo! O barco ruma para o norte. Descereis para a vossa cabina. A noite é brumosa e o mar é grosso, principalmente nas proximidades de Cabo Frio. Dormistes bem? Então lá vai um copo de conhaque para desanuviar a manhã, e permanecereis sôbre a ponte de comando. O timoneiro, ao leme, e o pilôto logo adiante, velam por todos os passageiros.Estais a 21o. e 30' de latitude e 43o. e 10' de longitude. Vereis a foz de um rio a bombordo; o barco gira um quarto de círculo; e, então, divisa-se a terra! Êste é o Paraíba, com a cidade de São João da Barra (3 000 habitantes), situado à sua margem direita. A maré está mansa. Transporeis o estreito da foz. O vapor pára. Barcos acostam, conduzindo novos passageiros. Oito léguas após, está a cidade de Campos (12 000 habitantes); mais duas léguas rio acima, aparece uma reentrância à margem esquerda: trata-se de um afluente do rio Paraíba - o Muriaé. Aí, desembarcareis. E o vapor continuará sua viagem até à cidade de São Fidélis. Depois, deitando numa canoa de índio, com um metro de largura por trinta de comprimento, subireis pelo Muriaé. Mais uma dezena de léguas e encontrareis, à direita, um novo rio - o Carangola. Vereis, então, sob uma palmeira, dois índios, um homem e uma mulher. São eles: Caran e Gola. Como duas sombras, são os deuses do rio. No tronco da palmeira prende-se uma rêde tôda esburacada. A seu pé, um arco quebrado e alguns tições apagados. Avançareis pelas águas lípidas do rio: ouvireis o canto dos índios que se divertem nas tabas e admirareis a majestade da floresta que ensombra as suas margens. Escutareis algo roçando nos arbustos e um ruído de passos sôbre as fôlhas sêcas. Armai a espingarda e apontai para a anta à altura das espáduas. Viera beber no rio. E, nesta tarde, tereis, no rancho, uma excelente carne assada. Atirai sobre o falso tronco de árvore: trata-se de um crocodilo que, parecendo dormir, desliza na superfície da água enquanto aguarda a passagem de mais uma vítima... Aquela grossa árvore à direita é o angelim ou a árvores que chora; durante o intenso calor do dia, suas fôlhas vertem água que cai gôta a gôta. Aquêle cipó fino e flexível que despenca de árvores tão alta, é o timbó; um chá feito de um pequeno pedaço seu levará à morte, ràpidamente, a quem o beber. E aquêle macaco que escala o sapucaeiro chama-se barbado; e seu grito é rouco e surdo... A serpente dourada e riscada de prêto, que se enrosca no coqueiro ao lado, é jararacutinga - e que Deus vos guarde de seu veneno! Periquitos e colibris vêem passar o viajante oriundo da terra dos caras-pálidas.... Vereis a lua no alto prateando a copa das árvores e o espelho do rio; os índios saúdam-na cantando ao ritimo triste e cadenciando de uma viola... A canoa atraca. Acedem fogo na areia, para espantar os animais ferozes. Fritareis peixes que um dos guias pesca no rio; e, com arroz cozido na marmita, mais o vosso assado de carne de anta, dourado ao fogo, no espêto, ajuntareis pimenta, sal, vinagre e aguardente, tal qual Baltazar... Empunhai vossa faca de mato e, por prato, tereis cuité. Tomais o peixe, o arroz, um bom pedaço de carne de anta. Picai tudo no cuité; adicionai pimenta e sal misturados com um pouco de vinagre e, em seguida, saboreai! Depois, uma boa talagada de cachaça para desengordurar os dentes, deixando o resto na garrafa para os guias. Metido na vossa capa, ireis dormir ao pé do fogo, tendo a espingarda à mão, a faca de mato entrando e saindo fácil da bainha, e o revólver na cintura. Eu vos darei boa noite! Não vereis tigres, cobras ou negros. Vossos guias são bastante seguros; e pior se não o fôssem! Boa noite, ainda. Sonhai com a França! Mas, vossa viagem está chegando ao fim... Percorrestes, então sete léguas pelo rio Carangola acima e já escutais o ruído de cachoeiras, num dos claros da floresta, onde se situa o povoado de Tombos do Carangola.''
Fonte: MPmemória
Enviado por Luiz Carlos Martins Pinheiro
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