June de Souza Carvalho
Uma rua com apelido de Rua das Flores, recebeu o menino no mês de novembro, na casa número 87. Ali nasceu, cresceu, viveu, envelheceu e foi levado nas asas do vento para outro patamar.
Ainda criança, com apenas seis anos viu seu irmão mais velho, Nestor Thomaz de Souza partir com 11 anos para Deggendorf (Alemanha) a fim de fazer seminário, só regressando mais tarde após ter recebido a ordem Sacerdotal. Aos dez anos perdeu o pai Francisco Thomaz de Souza e também a condição financeira, daí começou a cumprir seu destino. Vida de luta e dificuldades e para ajudar sua mãe Esmeraldina Caldas de Souza, teve que parar os estudos na quarta série. Foi trabalhar na Tipografia do Sr. Antero Perlingeiro até os dezoitos anos, quando seguiu para o Rio de Janeiro indo prestar Serviço Militar.
A arte de trabalhar com o componidor (peça onde são colocados os tipos feitos de metal fundido cujo relevo imprime letras e sinais, para fazer a chapa de impressão) o atraía de tal jeito, que de volta à sua terra natal, Nelson Thomaz de Souza, o Neguinho (assim chamado com carinho pela babá Ninha, passando dessa maneira a ser conhecido pelos amigos e conterrâneos por esse apelido), novamente foi trabalhar na Tipografia, ora em Miracema, ora em Pádua, até que nos idos de 1920 adquiriu a gráfica com o nome de Tipografia Cruzeiro, localizada na Rua Marechal Floriano, nº73 (atual Farmácia São Judas Tadeu).
Sonhador, alegre, de forte personalidade e sempre na vontade de lutar para Miracema desenvolver, resolveu reunir um grupo de jovens da época e fundaram o jornal "O Buril", cuja finalidade era brincar com as notícias sociais e cultivar a cultura em poesias, isso em 1921.
Casou-se em 1924 com Argentina Leite de Souza e após dez "longos" anos como ele dizia, nasceram seus dois filhos: Márcio Francisco e June.
Na tipografia 'Cruzeiro', acontecia o encontro dos Separatistas, incluindo el, durante o período da Campanha da Emancipação de Miracema, até seu término em que a "Àguia Cativa quebrou os grilhões" e se libertou. Naquele local até altas horas da madrugada era editado o Jornal "Libertas", que traduzia toda a alma do povo Miracemense na luta para ser livre.
Em 1938, a Tipografia "Cruzeiro" trocou de nome e mudou-se para a Praça Dona Ermelinda (hoje Supermercado Luizinho). Passou a se chamar Tipografia Souza e em 1939 foi para a rua das Flores, número 87, onde ele havia nascido. Nela um novo jornal foi trabalhado, levando notícias, cultura, negócios aos miracemenses: era o jornal "Estado Novo", que teve seu primeiro número impresso em 10 de abril de 1938 na mesma gráfica.
A vida foi passando e em 1969, o homem batalhador Neguinho, cansado e adoentado, com lágrimas que banhavam o rosto, vendeu-a ao Sr. Hoffmann em Itaperuna, que até hoje conserva e faz uso da "velha" máquina impressora.
Tipografia Souza - fez parte da História de nossa terra e através das mãos de Nelson Thomaz de Souza, saíam as notícias alegres, tristes, sociais, culturais e políticas, executadas letra com letra, formando palavras, frases, textos, tudo isso num pequeno componidor, para dar sustento e vida à sua família.
Neguinho, que tem num banco da praça D. Ermelinda, aos pés de um pé de acácia, numa aléia tranquila, o nome da Tipografia Souza gravado, marcando com isso um pedacinho do que teve em Miracema, para que não se dissipasse no tempo, sendo lembrado pelos familiares e por quem o conheceu.
Neguinho, homem apaixonado por esta terra, amigo, simples, não media esforços na colaboração para o bem e o crescimento deste lugar. Homem com apenas o curso primário, mas também um grande batalhador pela cultura musical, conhecedor do que chamamos o lenitivo da alma: a música. Tocava sax e durante vinte anos foi presidente da extinta Banda XV de Novembro e ainda muito jovem tocou numa apresentação da Banda (concurso de Bandas do Estado) na Escadaria do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Neguinho, homem orgulhoso de seus familiares, de seu trabalho e de ser miracemense, sempre punha a mão no peito, quando ouvia alguém falar sobre Miracema. Meu inesquecível pai, que deixou como herança a fidelidade, o caráter, a ética, a dignidade e o amor a esta terra, que o cobre com o seu pó, mas que deixa emanar as lembranças de um grande "pequeno" homem, que deixou marcas simples, mas de imenso valor na história da cidade.
Ao meu grande pai guerreiro, e por mais um aniversário da Separação de Miracema minha homenagem:
A Máquina
Lá estava ela... velha e cansada
No seu bater incessante,
Contando vitórias, desditas
E passos dos caminhantes.
Fria, escura e barulhenta
Não tinha nem hora, nem dia
Aquela engrenagem de ferro
Imprimia... imprimia... imprimia.
E a vida, dela exigia
Dos seus braços o imprimi
Trabalhava, trabalhava
Num constante fremir.
Quanta coisa noticiou
Quanta luta de amor
Quanta tristeza afirmou
Quanta alegria e dor.
Fez-se presente a lembrança
Apertou no meu peito a saudade
A vida tornou-se mais vida
E os momentos...eternidade.
Falo da máquina velha,
Que num trabalhar sem cessar
Marcou meus dias, me fez gente
Ensinou-me tudo, até amar.
No seu bater incessante,
Contando vitórias, desditas
E passos dos caminhantes.
Fria, escura e barulhenta
Não tinha nem hora, nem dia
Aquela engrenagem de ferro
Imprimia... imprimia... imprimia.
E a vida, dela exigia
Dos seus braços o imprimi
Trabalhava, trabalhava
Num constante fremir.
Quanta coisa noticiou
Quanta luta de amor
Quanta tristeza afirmou
Quanta alegria e dor.
Fez-se presente a lembrança
Apertou no meu peito a saudade
A vida tornou-se mais vida
E os momentos...eternidade.
Falo da máquina velha,
Que num trabalhar sem cessar
Marcou meus dias, me fez gente
Ensinou-me tudo, até amar.
Obs.: No ano de 2006 fui à Gráfica Hoffmann e vi a máquina imprimindo - continuação do trabalho do meu pai."
Publicado na manchete do jornal "Liberdade de Expressão", abril de 2007, ano V, nº90, Miracema -RJ. O jornal hoje tem um site, que pode ser apreciado aqui. À época dessa publicação não havia site e por isso tomamos a liberdade de transcrever esse artigo que marca não só a vida de uma personalidade ilustre de nossa terra, como parte da nossa história. Ficando esse artigo, como o "Momento Poético" do mês de julho.
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