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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

EMPRESARIADO BRASILEIRO E CONSERVADORISMO


Por Rudá Ricci
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. E-MAIL: ruda@inet.com.br . SITE: www.cultiva.org.br . Blog: rudaricci.blogspot.com


1-Quando conservadorismo ganha o nome de prudência 
O índice de Confiança do Empresário (IC-PMN), calculado pelo Ibmec-SP, revelava em março deste ano que a crise internacional havia abalado a confiança de pequenos e médios empresários de nosso país. Os 1,2 mil empresários pesquisados alcançaram o índice de confiança de 57,2 pontos, em uma escala que vai de 0 a 100 pontos. O estudo anterior, feito em setembro de 2008, tinha atingido a marca de 69,5 pontos. 
Poderia sugerir prudência das mais justificadas. Mas algo dizia que significava mais. O sentimento dos empresários ouvidos piorou em todos os quesitos pesquisados, do faturamento à perspectiva do seu ramo de atividade, passando pela perspectiva de contratação de pessoal, economia em geral, lucros e investimentos. 
O que mais surpreendia nesta pesquisa é que a região Norte era a que apresentava mais otimismo entre os empresários tupiniquins (índice de 64 pontos), ao passo que os menos confiantes eram os empresários das regiões Sul e Sudeste (com 55,8 pontos e 56,3 pontos, respectivamente). Poderíamos sugerir que onde há mais competição, exportação e investimento empresarial existiria mais desconfiança em relação aos investimentos necessários para fazer a mercadoria girar e se realizar. Mas há, também, outra hipótese encoberta: o empresariado brasileiro é conservador e dependente. Ainda hoje. E uma crise dispara sirenes e luzes vermelhas que espocam em todas direções. Para que esta hipótese tenha alguma consistência seria necessário analisar o ideário do empresariado nacional, talvez concentrando a observação justamente nas regiões de liderança, o “sul maravilha”. 
Devemos partir do princípio que uma das máximas do capitalismo é o gosto pelo risco. Sem risco não há capitalista. Mas o empresariado brasileiro se formou a partir de baixo risco, transferindo em grande parte este risco para o Estado. O exemplo das dívidas contraídas pelo empresariado do setor sucro-alcooleiro para o governo federal durante tanto tempo é apenas uma breve ilustração. O PROER, talvez, tenha antecipado um lugar-comum nesses meses de retomada do keynesianismo disfarçado. 
Agora que sabemos que saímos da recessão, com o PIB crescendo 1,9% em relação ao mesmo período (janeiro a março) do ano passado (dado do IBGE) há uma suspeita generalizada que o empresariado tupiniquim exagerou nos cortes e demissões na virada de 2008 para 2009. 
Mais, mesmo com a retomada do crescimento, os investimentos não seguem a mesma lógica: obras em infraestrutura e compra de máquinas e equipamentos ficaram praticamente estacionados. No primeiro trimestre, atingiu pouco mais de 15%, menor índice desde 2003. Alguns analistas dizem que este conservadorismo se relaciona com a "memória da crise". 
Edson Vaz Musa, diretor da EVM Empreendimentos, avalia que poucos empresários brasileiros adotam uma visão de crescimento sustentado baseado na divisão de poder. Segundo este especialista, nosso empresariado limita os investimentos em termos físicos, no que é visível, na segurança que o patrimônio físico lhe confere. Vai mais longe e sustenta que também não privilegia investimentos tecnológicos para inovação. Daí concentrarmos negócios em commodities, produtos ou serivços de pouco valor agregado, onde a competição ocorre pelo preço, obrigando a trabalhar com custos muito baixos. É o famoso círculo vicioso. 
Posso testemunhar que esta foi a mesma conclusão que chegamos ao pesquisar mais de 1.700 empresas (de vários tamanhos e segmentos) mineiras, no início deste século, pelo Instituto Lúmen, da PUC-MG. Coordenei uma pesquisa baseada nos estudos sobre habilidade trans-ocupacionais que ocorriam nos EUA. Naquele país, a partir de toda reestruturação produtiva que as novas tecnologias e a crise do modelo fordista forçaram, procurava-se compreender quais seriam habilidades técnicas exigidas para os novos trabalhadores fabris, os “polivantes”. Tentávamos perceber os investimentos e inovações das empresas mineiras, caminhando para compreender as novas exigências do perfil profissional a ser contratado. Havia uma crítica generalizada que o Brasil não tinha quadros qualificados para o novo modelo de empreendimento em curso em todo mundo globalizado. Mas o que a pesquisa do Lúmen revelou? Que somente algumas empresas de ponta faziam investimentos reais em novas tecnologias e formação de seus funcionários. A grande maioria das empresas acima de 200 empregados não fazia qualquer investimento concreto. Pelo contrário, fechavam-se num círculo de demissões em massa. Quem mantinha os índices de desemprego eram as pequenas empresas, com menos de 50 empregados, de bens de consumo não-duráveis e comércio. Mas também aí havia perversão: a rotatividade da mão-de-obra era imensa. A média de permanência no emprego era de, no máximo, dois anos.
Chegamos à quadra final da primeira década deste novo século e o cenário não é mais alentador. Pelo contrário. Pesquisa recente organizada pela UnB (dissertação de mestrado de Roberto Gonzalez, intitulada “Flexibilidade e Permanência: a duração dos empregos no Brasil”),revela que 40% dos trabalhadores com carteira assinada em nosso país perdem emprego todos os anos; 50% dos empregos duram menos de dois anos; 25% duram menos de oito meses. Apenas 25% têm duração maior que cinco anos, segundo dados do Caged. A pesquisa indica, ainda, que mesmo os trabalhadores com ensino superior completo conseguem permanecer mais tempo no emprego.
A prudência empresarial brasileira tem, na verdade, o sobrenome de conservadorismo.

2- Um empresariado provinciano


Edson Vaz Musa sugere que nossos empresários são muito provincianos: 
"O empresariado brasileiro, em geral, é muito provinciano, ele não se expõe além das nossas fronteiras pelo fato de o Brasil ser um grande mercado interno, porém pouco sofisticado. O valor não está na matéria-prima, e sim na tecnologia e na inovação. É isso que precisa ser estimulado pelas iniciativas públicas e privadas. O principal objetivo dos empresários deveria ser a criação de uma empresa em que todos sintam orgulho e prazer em trabalhar, porque são as pessoas o ponto fundamental de qualquer organização, são elas que constroem a vitória. Um empresário que tem responsabilidade social e sabe investir em capital social e em capital humano é realmente um empreendedor. A estrutura ideal para um país como o Brasil seria a existência de grandes empresas em torno das quais gravitasse uma constelação de pequenos fornecedores de produtos e de serviços. As pequenas empresas sempre conseguem ser mais ágeis e flexíveis do que as grandes que serviriam para consolidar esse trabalho por meio de uma relação muito estreita em que, além da capacidade financeira e de gestão, seja possível também transmitir conhecimento. (...) O empresário brasileiro, que tem verdadeira ojeriza a essas estratégias de crescimento, preferindo muitas vezes ficar com 100% de um negócio quebrado. Quando ocorre uma associação, o empresário tem que profissionalizar a empresa, respeitar o executivo, dar autonomia a ele e abrir mão do dia-a-dia empresarial para se tornar o visionário que vai direcionar a linha de atuação para que outros estabeleçam as estratégias mais apropriadas nesse sentido. Toda a ciência do sucesso corporativo está numa boa dosagem entre a visão de mercado e a delegação da autoridade compatível com a responsabilidade que está sendo transferida." 
Chegamos a outro aspecto do conservadorismo empresarial brasileiro: a baixa responsabilidade social. Num estudo de Maria Alice Costa (“A intervenção social contemporânea do empresariado brasileiro”), sugere-se que esta preocupação teve início nos anos 90 em nosso país. A autora conclui que houve avanço neste campo, mas admite que toda ação empresarial depende da contraparte do Estado, em especial, pelas mãos do BNDES ou ministérios. O BNDES adianta recursos não-reembolsáveis à uma fundação criada por um grupo empresarial, provocando a cooperação. O aporte das fundações analisadas não ultrapassou 20% dos recursos injetados nas parcerias. E as fundações, segundo conclusão da autora, são as que mais se beneficiam com a publicidade. No caso da análise do Programa de Desenvolvimento Econômico e Social de Serra Pelada (CVRD e BNDES), não houve superação dos problemas sociais. O parceiro privado terceirizou todas ações para fundações. O programa sofreu grande descontinuidade. Assim, percebe-se que neste caso em especial, a parceria não alterou o ideário empresarial, não agregou o conceito de responsabilidade social à cultural privada, não alterou a lógica das ações empresariais. 
Costa sustenta, ainda, que muitas empresas brasileiras resistem a se envolver com governos e preferem parcerias com ONGs. Uma solidariedade utilitarista. 
Não são poucos os estudos sobre este fenômeno, sobre a persistência da cultura conservadora entre empresários brasileiros. Napoleão Queiroz, em seu ensaio “Corporativismo Empresarial, Democracia e Desenvolvimento”, sugere que o conservadorismo empresarial poderia estar associado ao corporativismo contemporâneo e nem tanto à cultura tradicional deste segmento social brasileiro. Sugere certo insulamento a partir da relação burocracia estatal e estruturas corporativas, naquilo que a literatura especializada denominou de neocorporativismo (cf. Philippe Schimitter). Uma hipótese que não se revela muito promissora, dado que outros países não apresentam tal grau de conservadorismo em seu empresariado. 
Há outras sugestões. Sérgio Alves, UFPE, propõe uma outra leitura das organizações empresarias, a multidimensionalidade, a partir da teoria dos tipos ideais weberianos, que possibilitam um campo de análise mais adequado para analisar a cultura dos empresários de nosso país.
O autor sugere várias combinações da tipologia weberiana (a dominação racional-legal, a tradicional e a carismática): 
“Na realidade se encontram múltiplas combinações de componentes das três estruturas de domínio concebidas por Weber, cujas características são mais bem elucidadas, quando se utilizam expressões, como: carisma familiar (mescla de componentes tradicionais e carismáticos), burocracia patrimonial (agrupamento de componentes legais e tradicionais), burocracia carismática ou carisma institucional (mistura de componentes racional-legais e carismáticos).” 
Assim, podemos incorporar nesta análise estruturas híbridas de organização e ação empresarial, onde formas tradicionais e racionais se articulam e se mesclam. A tradição, sob esta nova compreensão, subsiste num mundo que teoricamente a descartaria. Este seria nosso empresariado. 
Podemos, assim, compreender que nosso empresariado transita por uma linha tênue entre conservadorismo e modernização. Quando sua ação está apoiada quase exclusivamente na tradição da sua relação com o mercado mediada pelo Estado (onde o risco é transferido para as instâncias públicas), torna-se conservador. Mas quando sés apóia na sua vontade, transveste-se de patriarca reformador (podendo adotar uma postura intermediária, que Alves sugere ser a de patriarca renovador). Pode, nestes termos, adotar uma estrutura organizacional burocrática mais profissionalizada ou com maior concentração de autoridade, num gradiente que vai da burocracia plena (com alta estrutura hierárquica e concentração de autoridade, mas baixa padronização de procedimentos), burocracia de fluxo de trabalho (com alta estrutura hierárquica e baixa concentração de autoridade), burocracia pessoal (com baixa estrutura hierárquica e alto concentração de autoridade e controle do fluxo de trabalho) ou mesmo pré-burocracias.
O parâmetro multidimensinal articula, assim o passado e os costumes, a experiência presente (que exige adaptações) e a visão de futuro (que impele à mudança e à liderança). 
Na prática, vivenciamos a conservação e mudança, a rigidez e flexibilidade, a disciplina e autonomia, a repetição e a originalidade, a centralização e a descentralização (muitas vezes, chegando às raias da permissividade) num movimento errático e pendular. O que pode gerar conflitos internos e desconfianças mútuas, reforçando a cultura do temor à mudança e risco. As estruturas gerenciais são, assim, permanentemente provisórias. 
Este é o nosso empresariado.

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