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domingo, 27 de setembro de 2009

ZELAYA: UM CASE DA NOVA POLÍTICA DIPLOMÁTICA BRASILEIRA?

Por RUDÁ RICCI

Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. E-MAIL: ruda@inet.com.br .
SITE: www.cultiva.org.br .
Blog: rudaricci.blogspot.com


Fases da diplomacia brasileira no pós-Guerra

Em artigo do início deste novo século, Paulo Roberto de Almeida (cf. “Relações Internacionais do Brasil: ensaio de síntese sobre os primeiros 500 anos”), oferece um breve balanço sobre a política exterior brasileira. No período pós-Guerra, sugere cinco fases distintas, demonstrando oscilação da postura em relação aos países da região:

Uma política exterior tradicional: 1945-1960

Evolução gradual para a cooperação regional a partir do modelo cepalino, cujo foco foi “a promoção do desenvolvimento nacional por meio de políticas ativas de industrialização, eventualmente mediante a cooperação econômica no contexto sul-americano e a promoção de esquemas de integração.” Daí surge a Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (ALALC). No plano institucional interno, é também nessa fase que se completa a profissionalização da carreira diplomática, cujo acesso passa a se dar, desde 1946, por vestibular organizado pelo Instituto Rio Branco.

A política externa independente: 1961-1964

Política externa independente. “O impacto da revolução cubana e o processo de descolonização tinham trazido o neutralismo e o não-alinhamento ao primeiro plano do cenário internacional, ao lado da competição cada vez mais acirrada entre as duas superpotências pela preeminência tecnológica e pela influência política junto às jovens nações independentes.” A diplomacia brasileira repensa seus fundamentos, “em especial no que se refere ao tradicional apoio emprestado ao colonialismo português na África e a recusa do relacionamento econômico-comercial com os países socialistas. A aliança preferencial com os Estados Unidos é pensada mais em termos de vantagens econômicas a serem barganhadas do que em função do xadrez geopolítico da Guerra Fria.” O Brasil foi um dos articuladores da criação, em março de 1964, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), cujos objetivos eram “a revisão completa da arquitetura do sistema multilateral de comércio e a criação de mecanismos sustentação de produtos de base, sistema geral de preferências comerciais em favor dos exportadores de matérias-primas, não reciprocidade nas relações de comércio suscetíveis de promover uma inserção mais ativa dos países em desenvolvimento na economia mundial.”


A volta ao alinhamento, 1964-1967

Com o golpe militar, retornamos ao colaboracionismo explícito com os interesses regionais dos EUA. Almeida denomina de “reconversão ideológica da diplomacia brasileira”. Uma “frustração de parte da nova geração de diplomatas que tinha sido educada nos anos da política externa independente”.

Revisão ideológica e busca de autonomia tecnológica: 1967-1985

Foi marcada pela diplomacia do crescimento, com foco na tentativa de criação de autonomia tecnológica e afirmação da ação estatal. Almeida cria uma subdivisão neste período: (1) "diplomacia da prosperidade" ainda no Governo Costa e Silva; (2) "Brasil Grande Potência", no período Médici; (3) "pragmatismo responsável", sob a presidência Geisel; (4) "diplomacia ecumênica", já no último governo militar desse ciclo. Contudo, a fase final demarca a crise do regime militar, em especial, pela redução do fluxo de financiamento externo a partir da crise do preço do barril de petróleo.

Redefinição das prioridades e afirmação da vocação regional: 1985-2000

Fase da afirmação da vocação regional processo de integração subregional no Mercosul e de construção de um espaço econômico na América do Sul. Segundo Almeida, “a diplomacia passa a apresentar múltiplas facetas, que não exclusivamente a de tipo bilateral ou aquelas de ordem estritamente profissional corporativa: são elas a regional, a multilateral (principalmente no âmbito da OMC) e a presidencial”. Aqui merece um destaque para a mudança do foco na diplomacia baseada na política econômica externa. O Brasil começa a se posicionar politicamente dentro de uma nova ordem internacional. Abrem-se oportunidades que logo terão como novo sujeito de destaque o bloco intitulado de BRIC por Jim O´Neill, diretor de análise econômica global da Goldman Sachs, em novembro de 2001. Na projeção feita por O´Neill, em 2036, Brasil, Rússia, China e Índia seriam maiores que o G7.
Neste artigo de 2000, Almeida sustenta um momento de transição ainda não muito nítido: quanto à “estrutura de tomada de decisões políticas, em nível mundial, e que conformação precisa, em termos de sistema hierarquizado (ainda que segundo novos princípios), terá a ordem emergente atualmente, que passa a substituir o cenário bipolarizado enterrado ao mesmo tempo em que se cobre de terra o caixão do socialismo mundial. Em todo caso, essa "nova ordem" já não mais consistirá, apenas, de duas superpotências, algumas potências médias e vários Estados "emergentes".”
Começo este artigo sobre o case Zelaya por esta periodização da diplomacia brasileira para situar o quanto a política diplomática do Brasil se altera a partir do fim da Guerra Fria, tendo como questão central o novo papel internacional ocupado pelo país. Não se trata de uma política externa meramente focada na ampliação de parceiros comerciais ou abertura de mercados, embora esta seja uma pauta essencial para o world player que nos tornamos. Mas vai além como uma potência emergente, a 7ª ou 9ª potência mundial (segundo as duas bases de cálculo do Banco Mundial). E, ainda, um novo posicionamento político frente ao momento de fragilidade interna dos EUA.
Brasil e EUA assumem a liderança e mediação de conflitos na América.

Quando não seguimos apenas regras internacionais, mas a produzimos


Este novo status impõe uma mudança de compreensão do papel do Brasil nas relações internacionais, criando uma nova ordem na nossa região. O que sugere que a nossa política diplomática avance na ampliação do eixo da diplomacia como explorador de mercados para um eixo que articula política econômica e liderança política.
E é aqui que entra o case Zelaya, muito mais emblemático que nossa participação na pacificação (ou mesmo intervenção) no Haiti. E algo que alguns analistas teimam em tentar desconsiderar, como recentemente o fez Jorge Zaverucha, da UFPE. Em seu artigo publicado na Folha de São Paulo (“A derrapagem brasileira em Honduras”, 25/09/09), Zaverucha reduz a acolhida de Zelaya à embaixada brasileira a uma questão jurídica. Sugere que a Convenção de Viena não estipula que uma missão diplomática confira abrigo humanitário, o que exigiria que o Brasil conferisse ao Presidente deposto a condição de asilado. Um argumento jurídico, fundado numa ordem que se altera rapidamente.
O abrigo de Zelaya não é um mero ato jurídico. É um ato político, dos mais significativos, que se sustenta num papel de liderança regional assumido pelo país, na afirmação da ordem democrática na região. A autoridade institucional máxima de nosso país foi absolutamente claro a respeito: denominou o governo interino de golpista e exigiu o retorno de Zelaya à Presidência da República. Por qual motivo? Para sinalizar que o país líder da região não admite que a ordem constitucional seja conspurcada. Que é garantidor desta ordem.
Este é, sem dúvida, um novo papel diplomático para o país na região. De fiador de um bloco comercial na região, assumiu o papel de liderança institucional. Não é um pequeno passo. É dos mais emblemáticos.
Obviamente que ouviremos os vaticínios de Cassandras. Porque toda transição ou construção gera riscos e incertezas. Mas há muitas possibilidades abertas, a despeito da resistência esperada do governo interino de Honduras. E nenhuma é amplamente desfavorável ao Brasil.
A primeira é uma pressão crescente, mas meramente formal, dos governos da região contra o golpe militar hondurenho. Recentemente, chefes de Estado da América Central, do Caribe, da Colômbia e do México, participantes da Cúpula de Tuxtla, aprovaram declaração conjunta na qual manifestam apoio ao Acordo de San José, proposta elaborada pelo presidente costa-riquenho Oscar Arias para por fim à crise política de Honduras. A nota final indica um possível isolamento dramático de Honduras. O impasse hondurenho, vale registrar, gera prejuízos comerciais que afetam, além do próprio país, Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Segundo o Ministério da Indústria e Comércio, a crise tem provocado prejuízo de US$ 6 milhões por dia aos países centroamericanos.
A segunda possibilidade aberta é a realização das eleições nacionais em novembro a partir de um acordo de cúpula, criando um governo de coalizão. É uma possibilidade remota, neste momento, devido á tensão em alta no país. O sociólogo Julio Navarro acredita, inclusive, que a crise transcenderá a eleição de novembro em seu país, e contaminará o próximo governo.
Como, da Nicarágua, Zelaya chegou a sugerir a criação de guerrilha e comitês de resistência em seu país, a possibilidade das escaramuças de rua evoluírem para uma guerra civil não estaria totalmente descartada, embora esta seja justamente a senha que a OEA e possivelmente a ONU menos desejem porque obrigaria uma intervenção direta do Conselho de Segurança. A guerrilha é uma sugestão que parece, neste momento, um factóide, já que o Honduras não possui tradição de organização de esquerda. Zelaya, lembremos, é oriundo do Partido Liberal.

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