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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

2010

Temos duas semanas para iniciarmos 2010, com forte possibilidade de ser o melhor ano econômico e social do Brasil desde a redemocratização. Mas continuaremos penando no nosso purgatório político.
As projeções de crescimento do PIB variam de 4,8% a 6%. A redução de pobres do Brasil continuará em ritmo acelerado. O Brasil Potência será festejado pela imprensa internacional.
Temos alguns percalços, é verdade. O primeiro é que nosso crescimento acelerado pode gerar inflação de demanda. E se isto ocorrer, o Banco Central voltará a aumentar a taxa SELIC, freando o bem estar geral da Nação. Mas é uma hipótese a ser confirmada.
Não conseguimos superar nossos problemas na área educacional, a despeito de secretários e ministro de educação festejarem algo que nem mesmo a publicidade oficial consegue esclarecer.É bem provável que continuemos na mesma, ainda com problemas graves na oferta de vagas para a educação infantil, dificuldade para debelar o analfabetismo entre adultos e analfabetismo funcional.
Também não conseguimos debelar a corrupção crônica que acomete todos governos tupiniquins. E em época eleitoral e de franco crescimento, possivelmente controlaremos ainda menos este fenômeno instalado em nosso habitus. Não há um mecanismo de licitação pública brasileira que seja inteiramente confiável e blindado. O problema central é a falta de participação efetiva da sociedade sobre os governos, promessa nunca cumprida por um governo mutante que se instalou sob o signo da mudança. O que fará das eleições um ritual progressivamente insosso, aguardadas quase exclusivamente pelos partidos, candidatos e acólitos. Os otimistas europeus saberão, em breve, que a “novidade Brasil” já terá envelhecido e se espelhado mais rápido ao velho e tradicional do que se poderia esperar. Ao menos no seu sistema de representação formal. O que envolve partidos, sindicatos e uma gama imensa de organizações da sociedade civil. Criamos um sistema de representação social que se auto-representa. Necessita, obviamente, criar aparências para não de desgastar profundamente. Daí o marketing político, as câmaras setoriais de consulta e assim por diante.
Mas o processo de tomada de decisão no mundo da política pública (!) já está posto no firmamento azul anil. E é por este motivo que teremos, a partir do próximo ano, um comportamento político de massas que oscilará entre o cinismo e a idolatria a quem sustentar o acesso ao mercado de consumo de amplo espectro. Uma idolatria forjada, pendendo para o pragmatismo, nem tanto pela projeção incondicional a alguém que lhes pareça descer dos céus em resposta às suas preces. Afinal, a República já é fato consumado e o messianismo parece definitivamente anacrônico.
O Bolsa Família deverá se expandir um pouco mais. A expansão do salário mínimo já foi anunciada. O PAC também. E assim, o pacto fordista brasileiro vai se sustentando, quase um século atrasado. Algo longe do republicanismo desejado por Juarez Guimarães, professor da UFMG que escreveu um livro sobre o lulismo com um título que parece pura ironia: a esperança equilibrista.
Como se a esperança pudesse existir entre idas e vindas, num movimento errático que parece mais casuísmo que habilidade.
O novo parece deixar um gosto de déjà vu no palato, não? Parece o novo do mesmo.
Para não parecer pessimismo alimentado pela melancolia de final de ano (todo final é melancólico!), basta projetarmos as eleições do próximo ano.
Percorrendo os Estados, não encontramos novidades em termos de candidaturas.
Muito menos em termos de candidaturas com alto potencial de vitória. Não teremos algo que fuja do quadro de governadores filiados ao PT, PMDB ou PSDB. O DEM deverá definhar, mas talvez fique com um governo estadual de baixa expressão política. Dificilmente irá mais longe. Pela direita, o raquitismo eleitoral continuará fazendo vítimas e transformará os realistas de plantão em radicais sem causa ou claudicantes. Muitos partidos se perderão neste cenário político árido, sem espaço para muitos varietais. Caso do PPS. Pela esquerda, PSTU e PSOL continuarão tentando, tentando e tentando. Possivelmente se transformarão, daqui por diante, em um toque especial no molho do sistema partidário, como uma lembrança olfativa que a consciência não consegue localizar e dar formato. Serão partidos-exceção confirmando – e legitimando – a regra.
Restará, portanto, o centro do sistema partidário que, hoje, se cristaliza no social-liberalismo: regulação estatal e fomento ao mercado interno, gerando um forte pacto político-econômico. Aquela concepção nascida no início do século XX pelas penas de John Atkinson Hobson e Leonard Hobhouse que, ao contrário do que Bobbio percebia como distinção entre esquerda e direita, procuravam unir liberdade individual com igualdade social. Alguns afirmam que o keynesianismo beberia nessas águas.
Por este motivo, ganhando Serra ou Dilma, perdem apenas os apoiadores e futuros auxiliares do governo. Não se trata de privatizantes contra desenvolvimentistas. Os dois possuem o mesmo perfil. E também não é o caso de se afirmar que quem os apóia os diferencia. Basta sentirmos o movimento errático do fiel da balança do sistema partidário brasileiro, o PMDB, para percebermos que se trata de variantes da mesma canção. Se um dia foram novidade, PSDB e PT são, hoje, os dois pilares de sustentação do sistema partidário, mais próximos que democratas e republicanos dos EUA. Esta dominação os faz Poder. Porque o eleitor precisa sentir que se disputa algo para além de cargos e salários. Precisa diferenciar ao menos pela quantidade de cabelo, profundidade das olheiras ou humor (neste item, dificilmente haverá vencedor).
Daí porque a necessidade vital de se comparar o Presidente atual com o que ele sucedeu. Porque haveria pouco a comparar entre os que efetivamente disputarão o cargo de Presidente da República. Marina fará boa figura, mas alguém imagina que ela poderá atropelar seu próprio partido, até então mera área de influência, sem qualquer personalidade concreta nos últimos anos?
E, assim, parece que a economia novamente vencerá a política. E a política continuará primo pobre da economia. E nós, finalmente, nos refugiaremos no mercado consumidor em alta, cada vez mais sofisticado, alimentando nossas almas sem presente, mas com um possível grande futuro. Alguém da Escola de Frankfurt já havia sugerido que o consumo seria nosso refúgio, nosso sentimento de liberdade. E os sonhos voltarão a ser tema de nossa expressa intimidade.
O gigante não está mais adormecido. E perdemos nossa capacidade de sonhar.

Rudá Ricci
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, diretor geral do Instituto Cultiva.
Blog: rudaricci.blogpot.com

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