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sábado, 15 de maio de 2010

LIÇÕES DE UMA ELEIÇÃO QUE NÃO OCORREU

Por RUDÁ RICCI
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa.


A eleição de outubro será, por diversos motivos, algo inusitado na história democrática do país. Será plebiscitária, tendo Lula, o mais popular Presidente da República desde a redemocratização do Brasil, à frente. Também terá uma candidata da nova geração do PT disputando com um líder do PSDB paulista, facção que começa a ter esta geração sendo substituída por outra. Finalmente, terá dois candidatos com concepções de Estado e de gestão pública similares ou idênticas, com Estado orientador e forte, acordos formais com o alto empresariado, centralizadores e racionais.

Por serem muito parecidos, a eleição plebiscitária gera um artificialismo eleitoral grave. Grave porque não facilita a vida do eleitor ou, antes, o infantiliza. Lulistas apostam neste infantilismo (o que, ademais, já ocorreu nas últimas eleições municipais de Belo Horizonte, onde um candidato artificial foi imposto pelo prefeito e governador), a partir de um passe de mágica em que o cidadão, ao ver Dilma Rousseff, enxerga Lula. E os tucanos paulistas apostam no confronto de dois programas que são, em tese, iguais. Vivemos o melhor do mundo.... da fantasia.

É por este prisma que devemos compreender o atual estágio da campanha (alguns, mais formalistas, sugerem que vivemos a pré-campanha) presidencial de 2010. Trata-se de um momento de estudo e formatação das campanhas.

A campanha de Dilma se revela meio órfã justamente porque aposta no plebiscito que se inicia com a entrada de Lula nas telas e nos comícios. E, segundo Lula, este não é o momento do Presidente entrar em cena. Assim, a campanha de Dilma, no momento, parece ficar na mera defesa, como um goleiro reserva em treino de final de campeonato. Demonstra certo embaraço ou falta de vontade, meio que na espera, administrando o preâmbulo do jogo. Afinal, reserva tem que aguardar sua vez. E o titular ainda nem começou a se aquecer. Não há nenhum sinal de tentativa de criar fatos políticos que projetem aumento dos índices de intenção de voto da candidata lulista. Aguardam as convenções, a Copa do Mundo e o início da propaganda de televisão. É uma aposta, dentre tantas, que somente agosto dirá se foi correta.

Já Serra procura se posicionar, justamente porque se atrasou no lançamento da candidatura. Posicionamento, em marketing, é a diferenciação que faz dos outros candidatos ou competidores. E, neste quesito, fez o dever de casa (talvez até mais). Serra já se posicionou: seu eixo é a experiência pessoal. Ponto final.

Perceberam algum traço, ainda que leve, de programa de governo? Nenhum.

Assim, estamos aprendendo algumas lições da nova fase política do país:

1) Política é coisa de profissional. Aquela boa nova dos anos 1980, que política seria feita no local de moradia e trabalho, é coisa do passado;

2) O Brasil tem um projeto hegemônico, quase único, dentre os profissionais da política. PT e PSDB já se fundiram programaticamente. Tentam afirmar que um é mais social e mais estatizante ou que se é mais rigoroso na gestão fiscal e menos populista. Mas falta perspectiva histórica para analisar gestão FHC e gestão Lula. A diferença é mais de estilo, não de projeto;

3) O marketing pessoal vai contar cada vez mais a partir de agora, em período eleitoral. Programa de governo é coisa do passado ou para intelectual ler. O que reforça a noção que os partidos contam cada vez menos no país, sendo substituídos por “grupos partidários”, agrupamentos que ocorrem no interior dos partidos e que, não raro, se aliam a grupos de outros partidos, confundindo em muito a compreensão da movimentação política. Os grupos partidários são reconstruções dos antigos Partidos de Notáveis, do século 18. Gravitam ao redor de lideranças políticas que formam seu entourage, nem sempre filiado a um único partido;

4) A possibilidade de candidatos serem cristianizados por lideranças partidárias poderosas em função de alianças suprapartidárias também será maior nos próximos anos.

Assim, o sistema partidário vai se fechando ao cidadão comum.

As lições desta eleição que nem mesmo ocorreu é que, ao contrário do que parecia, as denúncias de corrupção não afetaram o sistema partidário. Ao contrário, estimularam seu fechamento, a proteção entre iguais e a mesmice política. Temos, hoje, uma estrutura política mais sistêmica, cujos elementos formam um “compromisso institucional”. As lideranças se aproximaram no seu conteúdo. A lição desta eleição que nem começou formalmente é esta: eleição, nos dias atuais, é achar diferenças entre iguais.

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