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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O “Day After”


Ouço o jornalista do Globo News, Gerson Camarotti, afirmar que a figura de José Serra teria sido captada por pesquisas qualitativas como negativa à várias candidaturas estaduais tucanas. Citou explicitamente os estados de Minas Gerais e Paraná. Não deixa de ser surpreendente. Mais uma surpresa nesta campanha insólita em que um Presidente em segundo mandato se delicia com os mais altos índices de aprovação; que uma candidata sem história política conhecida figura em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de votos e deve vencer a eleição em primeiro turno; e onde os partidos ficam nus em praça pública, revelando sua total fragilidade como instituições. Instituições são assim denominadas porque instituem regras e valores. Mas nestas eleições nem programas de governo foram apresentados formalmente pelos dois candidatos mais populares. Instituições possuem um mito original que galvaniza e orienta as práticas dos seus membros. O mito da candidatura petista é uma pessoa e não um valor. O mito dos tucanos, por sua vez, parece não existir. Tanto que o candidato à Presidente se perde em propostas mirabolantes, como fixação do salário mínimo em 600 reais e implantação de 13º salário (sic) para o bolsa família. Propostas sem qualquer lastro orçamentário apresentadas duas semanas antes das eleições. Fica difícil não crer que se trata de desespero no final da reta de chegada. 
Com este cenário, o que poderia ser um exercício de futurologia? Quais as possíveis tendências no “Day after” eleitoral? A ressaca será forte, evidentemente. Mas além da ressaca, o que restaria aos brasileiros?
Vou me ater à dimensão política formal. 
O dia seguinte será próximo do efeito de um tsunami sobre o sistema partidário. DEM e PPS estarão destruídos. Prevê-se, entre cientistas políticos, que democratas perderão 11% a 13% de seus parlamentares e PPS sangrará ainda mais, perdendo algo acima de 15% de suas bancadas estaduais e federais. 
Ainda no campo oposicionista, a história de Marina Silva não será das mais fáceis. Sairá com um cacife político-eleitoral muito vantajoso. Mas terá pela frente a máquina partidária liderada por José Luiz Penna. O estatuto do PV é considerado por muitos como um dos mais centralizadores e presidencialistas do espectro partidário tupiniquim. O que restará à Marina? Disputar alguma eleição municipal em 2012? Disputar agressivamente o controle do PV? O que pensar da movimentação interna pelo poder partidário envolvendo os desde sempre “líderes verdes “, como Penna, Sarney Filho e Gabeira? Os “líderes históricos” abrirão as portas da felicidade para uma cristã nova?
Do outro lado, Plínio de Arruda Sampaio sai consagrado. Tornou-se uma espécie de Cláudio Lembo da esquerda: um outsider da terceira idade, o que parece uma dupla contradição. Mas, como parecer a sina da esquerda brasileira, será maior que seu partido. Algo que já ocorreu com a figura do Cavaleiro da Esperança e com o mais famoso metalúrgico petista. Algo ainda pior ocorre nas hostes psolistas: Plínio tentou mas acabou reforçando o moralismo que sempre foi a pedra de toque de Heloísa Helena. E todos sabemos que dois bicudos não se beijam. 
Aí chegamos no PSDB. Há apostas de todos os tipos, naturezas e desejos. O mais radical sugere que se tornará um PRP, limitado aos limites geográficos de São Paulo. Para tanto, esta vertente analítica aposta na saída do ex-governador e virtual senador Aécio Neves. Negociações para sua transferência ocorrem desde 2008, envolvendo PMDB e PSB. Mas ele ficou. No início deste ano, comentava-se nos bastidores da política que o líder mineiro estaria envolvido em tratativas que envolviam Ciro Gomes, parte do DEM, parte do PSDB e PPS para criação de um novo partido político. Pode até ser. Mas não acredito. A primeira opção não seria a saída, mas a reconstrução do PSDB a partir da derrota dos tucanos paulistas. Aliás, derrota dos tucanos e imprensa paulista. Porque nesta eleição os jornais fizeram campanha mais aguerrida que os líderes do PSDB. O que só pode ser explicado por um freudiano. Como sou um mero leitor de Freud, não me aventuro nesta seara. O que imagino é que Aécio pode reforçar sua aproximação com Geraldo Alckmin. E procurar uma trilha de recondução de Ciro Gomes ao centro político. A reconstrução do PSDB a partir deste triunvirato parece provável. E a partir daí, várias possibilidades seriam abertas, incluindo uma aproximação com o lulismo, caso seja vantajoso. Inclusive porque pode ser vantajoso para o lulismo que enfrentará muitas lideranças petistas. Frase que abre o epílogo deste artigo: o conflito interno no governo Dilma.
Dilma eleita, o dia seguinte será de disputa cega e violenta. O lulismo estará aliado ao PMDB. Não é garantia que a recíproca será verdadeira, mas no início da gestão Dilma será proveitoso para as duas forças políticas. Lulismo e PMDB juntos enfrentarão a fome petista. José Dirceu já se antecipou e viaja país afora para tentar ganhar musculatura nesta disputa. Mas o PT não se limita a Zé Dirceu. E Dilma Rousseff não é exatamente uma personalidade passiva. Lula, por seu turno, também se antecipou e se movimenta tentando controlar toda área econômica, a Casa Civil e o contato direto com empresários e centrais sindicais no novo governo. Já vazou para a imprensa que deseja Palocci na Casa Civil. Já sugeriu discretamente que o novo presidente do Banco Central poderá ser Nelson Barbosa, o secretário nacional de política econômica do Ministério da Fazenda. Também já anunciou que tratará diretamente com Dilma da nomeação dos novos diretores das agências reguladoras. Enfim, já trabalha para diminuir os espaços de movimentação de todos os que não estão diretamente vinculados ao seu projeto de continuidade e poder. 
O que temos como saldo deste cenário? Um sistema de representação político desfigurado e sem seu alimento principal: a representação social. Os brasileiros, que já não se sentem identificados com os líderes partidários, ficarão sem referência alguma. Algo que acentuará o sentimento de confusão que ocorre nas disputas estaduais. Poucos entendem por qual motivo alguém que era aliado agora disputa com seu amigo, quase-irmão. Ou por qual motivo o inimigo de morte agora defende seu desafeto contra os interesses de seus correligionários. 
Esta campanha parece um réquiem de um sistema partidário que nunca teve muito viço, mas que agora parece em decomposição acelerada.

Um comentário:

Adalberto Day disse...

Angeline
Sempre é bom ler os textos e o que diz Rudá Ricce. Eke procura buscar nas adversidades de nossa sociedade como um todo, a solução que nos parece cada vez mais distante de uma realidade. Nosso Brasil é grandioso, mas seu povo de mandeira geral, e principalmente a maioria dos politicos (....todo mundo já sabe...mas muitos gostam e compactuam).
Parabéns pelo seu sempre bom trabalho em seu blog que nos mantém informado das coisas boas e ruins de nosso Brasil.
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau SC

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