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sábado, 3 de abril de 2021

O fim melancólico do primeiro mandato coletivo de Belo Horizonte

 


Por Rudá Ricci

Prometi escrever algo mais substancioso a respeito do fim melancólico do primeiro mandato coletivo na Câmara Municipal de Belo Horizonte. A ColetivA, mandato com 10 covereadores, faleceu com três meses de existência em virtude da renúncia de Sônia Lansky.

Comecemos por explicar a eterna confusão entre mandato coletivo, gabinetes que se juntam e consulta junto ao seu eleitorado pelo eleito (presencial ou via aplicativos). Não são, nem de longe, a mesma coisa.

Mandato coletivo é o nome que se dá para um acordo que os candidatos (no plural) que estão sob o mesmo número de registro fazem com os seus eleitores. O acordo que define o mandato coletivo – se eleito – se dá nesse momento da campanha: o eleitor sabe que está votando num colegiado, não numa pessoa apenas. Ora, quando a chapa vence, o que toma posse oficialmente é um dos covereadores que teve seu nome registrado. Mas, para o eleitor, todos os outros que fizeram campanha e que se apresentaram como candidatos com aquele número foram eleitos por eles. No caso da ColetivA de BH, Sônia Lansky era candidata juntamente com André Xavier, Dehonara Silveira, Juliana do Carmo, Lara Sousa, Lígia de Laurentiis, Rúbia Ferreira Pinto, Rubinho Giaquinto, Sorângela Maria de Souza e Stella Gontijo. Basta pesquisar os votos em cada seção eleitoral recebida para a chapa que se perceberá a força de representação de cada um desses covereadores. Não se tratava de apoiadores, mas covereadores, representantes em mosaico de um único registro.

Já a junção de gabinetes de vereadores já eleitos é um mero arranjo organizacional de vereadores. Arranjo decidido pelos vereadores, não por seus eleitores. Destaco, aqui, o processo decisório que define de onde vem o mando. Houve, em eleição passada, campanha similiar à de um mandato coletivo em Belo Horizonte, mas a experiência após a posse não foi tão radical como a que se apresentava no caso da ColetivA.

Também não se pode afirmar que um método de consulta de um vereador eleito junto ao seu eleitorado configure um mandato coletivo. Justamente porque o processo de decisão é concentrado na figura do vereador, não dos seus apoiadores. Uma plenária presencial – como já ocorreu décadas atrás com veradores ou deputados eleitos por professores ou bancários ou outro agrupamento social – ou o uso de um aplicativo para eleitores definirem o que um vereador deve priorizar na Câmara não passa de consulta. Não se trata de processo participativo em que a decisão é tomada pelo conjunto, no caso, dos covereadores.

Pois bem, esse tipo de prática fere de morte a lógica da representação liberal, firmada a partir da teoria das elites onde os eleitores elegem um representante que passa a formar uma elite paga para pensar com acuidade a tomada de decisão de todo processo de gestão pública. Nesse sentido, afirmam os defensores da teoria das elites, o eleitor teria menos tempo que o eleito para refletir e para negociar com outros vereadores, de outras regiões, interesses e ideologias. O eleito vai se distanciando do eleitor porque assume uma função profissionalizada, marcada por acordos e negociações que o cidadão médio nunca terá condições para realizar.

A ColetivA dizia algo muito distinto: tinha um pé no campo institucional e outro nos bairros, nos coletivos por direitos civis e coletivos. Apontava para o século XXI, o século das multidões e coletivos forjados à luz das redes sociais.

Dito isso, vamos à tragédia que destruiu a ColetivA em Belo Horizonte. Há toda uma comoção envolvendo os covereadores eleitos com Sônia Lansky, mas uma dose de realismo indica que agora eles sobreviverão de favor. Seu mandato virou um espectro que ronda a capital mineira. Não há mais vínculo entre o acordo original durante a eleição e sua relação profissional com a Câmara Municipal. A renúncia de Sônia Lansky destruiu essa ponte.
O que ocorreu, afinal?

O principal fator de ruptura é a revolução surda que um modelo coletivo de representação causa na lógica burocrática centralizada da estrutura política brasileira e na representação liberal, individual e elitista, da democracia representativa tal como adotamos no Brasil.

Na montagem da chapa dos covereadores já se percebia alguma fragilidade. Houve disputa em relação à legenda de vereador, disputa vencida por Sônia Lanksy. Foram realizadas plenárias e várias discussões internas até que surgiu esta solução salomônica: o mandato coletivo. Poderia ter sido uma formulação ousada, fincada numa concepção avançada de representação parlamentar.

Contudo, a fragilidade da montagem da chapa indicava forte descompasso e, talvez, uma decisão não tão madura: em meio à campanha, alguns covereadores defendiam o nome do candidato à prefeito do PT e outros, o nome da candidata do PSOL. A questão é que o registro da candidatura coletiva foi feita pelo PT. Essa é apenas uma das ilustrações sobre a ausência de unidade que alimentou muito emocionalismo na condução desta experiência. Havia ali uma concessão que feria uma lógica partidária histórica. De onde, então, esta concessão provinha? De qual instância partidária? Em qual fórum se definiu que esta lógica multifacetada e até mesmo multipartidária havia sido aceita?

Faço essa consideração não para sugerir que a ColetivA foi um erro, mas para apontar tensões em curso que colocavam o carro em rota de colisão com o caciquismo reinante na política partidária.

A situação era ainda mais angustiante em função da candidatura de Nilmário Miranda, o candidato à prefeito do PT em Belo Horizonte. Nilmário, de certa maneira, foi “cristianizado”, conceito derivado do nome do candidato do PSD à presidência da república em 1950, Cristiano Machado, que foi abandonado pelos líderes de seu partido que apoiaram, de fato, Getúlio Vargas, do PTB. Uma disputa que remonta aos conflitos entre as duas lideranças petistas em Minas Gerais: Patrus Ananias e Fernando Pimentel.

Há quem diga que o grupo de Fernando Pimentel evitou ao máximo a reeleição de Pedro Patrus, filho de Patrus Ananias, como vereador. Esta disputa vem de longe, desde a mudança de rumos da concepção de gestão (de Patrus para Pimentel), passando à malevolência em relação à candidatura de Patrus ao governo do Estado na composição da chapa com Hélio Costa ou a mesma malevolência do pleito de Pimentel à legenda para o senado. Agora, veio, dizem, o troco em relação à Pedro Patrus.

Não bastasse tal tensão, emerge a luta em torno da Maternidade Leonina Leonor, gerando rachaduras nas relações amigáveis entre governo municipal e a direção petista local.

Mas, a gota d´água foi a elegebilidade de Lula, pela decisão do ministro Fachin. A necessidade de composição política em Belo Horizonte tornou-se um imperativo superior já que Minas Gerais é o segundo colégio eleitoral estadual do país.

A partir daí, as tensões foram crescentes.

Pelo que eu soube, a alta cúpula partidária não foi pega de surpresa com a renúncia de Sônia Lansky. Mesmo assim, não houve nenhuma reação interna de peso ou significativa. Houve acenos e cordialidades que na política real não conta para quase nada.

E, assim, uma novidade de radicalização democrática acabou. Melancolicamente.

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