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terça-feira, 13 de outubro de 2009

BRASIL POTÊNCIA?

1. Potência geopolítica ou Potência em Desenvolvimento Social?

Iniciamos nossa escala como potência mundial – e continuamos destilando nosso “complexo de vira-lata” ou apenas nosso PIB cresceu frente à crise mundial momentânea?
Esta reflexão vem tomando espaço nas discussões entre economistas e jornalistas e, por algum motivo, ainda não envolveu sociólogos brasileiros.
O debate parece motivado pela consolidação do conceito de BRIC, desenvolvido pelo economista Jim O'Neill, do banco de investimentos Goldman Sachs (em 2001). Mas também pela consolidação do G20 (em substituição ao G7) como fórum mundial de regulação e pacto entre nações sobre a agenda fundamental a ser observada pelos países. Também contou a vitória do Brasil na disputa pela sede das Olimpíadas 2016. E, ainda, a compra de aviões de caça, que fez do Brasil uma noiva cobiçada pela França, EUA e Canadá. A guarida do Brasil ao Presidente deposto de Honduras, papel de intervenção internacional que cabia até então aos EUA, foi outro fato marcante da atual conjuntura. E, finalmente, o IDH se mantendo no patamar de país desenvolvido.
O ´Neill criou a expressão apontando Brasil, Rússia, Índia e China como os países que liderariam o crescimento global nos próximos 50 anos. E hoje afirma que "o Brasil é hoje o BRIC mais promissor". Outro investidor, o norte-americano Michael Milken, previu que o Brasil será uma das cinco potências mundiais até 2040. E mesmo o Banco Mundial já aponta o País como a sexta maior economia do mundo pelo critério de paridade do poder de compra das moedas (com 2,88% do PIB mundial). Pelo critério tradicional, o Brasil flutua entre o décimo e nono lugar do ranking mundial, próximo de Itália, Rússia, França e Reino Unido.O Brasil é, hoje, grande produtor de commmodities e aproveita a onda do aumento de consumo da China. O caso do consumo de carne é exemplar. Em 1985, um chinês comia em média 20 quilos de carne/ano. Hoje, consome 50 quilos. Somos o país mais desenvolvido em tecnologia de produção agropecuária tropical. Mas também há uma relação direta com a auto-suficiência na produção de petróleo.
Nesta esteira, emerge a análise sobre IDH e crescimento do PIB brasileiro. Isto porque muitos economistas afirmam que o crescimento do PIB é um elemento de importância geopolítica, mas não reflete o impacto no interior de um país, confundindo a noção de potência.
Contudo, segundo o PNUD, o "IDH sobe e Brasil entra no clube do Alto Desenvolvimento Humano". E, mais: "com PIB e renda maiores, país chega ao primeiro mundo da área social".
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil melhorou entre 2006 e 2007, mas o país manteve sua posição: 75º numa lista de 182 países e territórios, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2009, divulgado nesta segunda-feira pelo PNUD. Em 2006 o IDH do Brasil era de 0,808. Em 2007, passou para 0,813. Assim, ficou em 75º, logo acima de Bósnia-Herzegóvina (76º), Colômbia (77º), Peru (78º), Turquia (79º) e Equador (80º) e logo abaixo de Granada (74º), Dominica (73º), Macedônia (72º), Rússia (71º) e Albânia (70º).
O país se manteve entre os classificados como de desenvolvimento humano elevado (IDH entre 0,800 e 0,899), grupo em que entrou há três anos. Os líderes do IDH 2007 são Noruega (0,971), Austrália (0,970), Islândia (0,969), Canadá (0,966) e Irlanda (0,965). Eles estão entre os 38 países ou territórios classificados pelo PNUD como de desenvolvimento humano muito elevado (0,900 ou mais), categoria criada neste ano. O único país da América Latina e do Caribe nesse conjunto é a ilha caribenha de Barbados (37º no ranking, IDH de 0,903). Os piores do ranking são Níger (182º, IDH de 0,340), Afeganistão (181º, IDH de 0,352) e Serra Leoa (180º, IDH de 0,365). Como os dados são de 2007, eles não captam a fase mais intensa da crise econômica global.
A dimensão renda do IDH é avaliada pelo Produto Interno Bruto per capita, ajustado pela paridade do poder de compra (dólar PPC, método que elimina as diferenças de custo de vida entre os países). De 2006 para 2007, foi o item que mais impulsionou o índice brasileiro: o PIB per capita avançou 6,9% — passou de US$ 8.949 para US$ 9.567. O país está em 79º lugar no ranking de renda, quatro posições abaixo da colocação no ranking do IDH. Em 2006, no cálculo pela nova metodologia, ele era 91º no IDH Renda.
Assim, o argumento que o PIB per capita identificaria melhor a evolução do país como potência corrobora a ascensão do Brasil. Mas também revela a grande distância do país potência econômica e país potência social: de 7ª ou 9ª colocação para 79º lugar no ranking mundial, respectivamente. E é aqui que reside uma dúvida se a leitura dos economistas não seria formatada em demasia, sem leitura histórica, numa espécie de padrão prescritivo do que seria potência mundial. A dúvida é se o padrão de potência mundial não estaria caminhando justamente para a desigualdade social ou o fim do padrão definido pelo Welfare State. Antes de caminhar nesta direção, contudo, vejamos os gráficos que demonstram a melhoria do Brasil no ranking mundial.

Vejamos nosso IDH, onde o Brasil figura abaixo da Argentina, mas acima da China:



Vejamos, em seguida, a evolução do IDH brasileiro, no período 1980-2009, também segundo o PNUD:



Percebe-se uma melhoria significativa na década de 90, mantendo a melhoria, num ritmo menos acentuado, a partir do Século 21. Mesmo diminuindo o ritmo de melhoria do IDH, a evolução é constante entre 1980-2007:



É perceptível que embora o Brasil se desgarre do México em termos econômicos, ultrapassando a passos largos o PIB e se tornando a maior potência econômica da América Latina, em relação ao IDH não consegue a mesma performance, sendo superado nitidamente pela Venezuela (durante a gestão Chávez).
Na tabela abaixo podemos acompanhar a melhoria do IDH em vários países latino-americanos a partir da década de 80. Brasil tem a melhor performance na segunda metade dos anos 90 (melhoria de 1,47%). México também melhorou seu índice principalmente nessa década (0,76%). Contudo, a Venezuela tem sua melhor perfomance a partir de 2000, com destaque para o período 2005-2007 (1,33%). Colômbia recupera uma parte do ritmo de melhoria verificada na primeira metade da década de 90, também ocorrendo algo similar com o Peru.
O dado mais significativo e pouco comentado é a queda de melhoria deste índice no Chile. 



Assim, parece ocorrer um divórcio entre o ritmo de crescimento econômico e melhoria social em nosso país, algo não verificado na Venezuela, para mantermos a comparação inicial entre os dois países. E o principal fator negativo é educação e não a renda per capita, como sugerem os economistas tupiniquins.

2.Um padrão de potência com desigualdade social?

O IDH é um indicador vital para compreendermos o percurso dos países emergentes, que começam a tomar a frente na geopolítica mundial. Um valor acima de 0,800 é considerado nível de alto desenvolvimento humano.
Mas o interessante é saber que a elite do IDH, liderada por Noruega (0,971), Austrália (0,970) e Islândia (0,969) não se relaciona com o poder geopolítico desses países. Apesar de ter registrado queda na desigualdade desde o início da década, o Brasil ainda permanece no grupo de dez países mais desiguais do relatório, atrás apenas de Namíbia, Ilhas Comores, Botsuana, Haiti, Angola, Colômbia, Bolívia, África do Sul e Honduras. No Brasil, os 10% mais ricos detêm 43% da riqueza nacional, enquanto os 10% mais pobres, apenas 1%.
Educação e saúde também melhoraram, mas em ritmo menor, já que o analfabetismo adulto tem caído pouco no país e a expectativa de vida ao nascer (único componente do índice de saúde) não costuma sofrer oscilações bruscas de um ano para o outro. Além do próprio IDH, o Relatório de Desenvolvimento Humano permite comparar outros indicadores.
Na Noruega, país que lidera o ranking, os 10% mais ricos concentram 23% da riqueza, enquanto os 10% mais pobres respondem por 4%.
Outro indicador em que o Brasil destoa dos líderes é o investimento público em educação e saúde. Noruega, Austrália e Islândia investem, respectivamente, 35%, 31% e 36% de seu gasto público nessas áreas. No Brasil, a proporção é de apenas 22%. O maior desnível acontece na saúde, setor em que o Brasil investe 7% dos gastos, menos da metade do que Noruega (18%), Austrália (17%) e Islândia (18%).
O fato é que os cinco países apontados como as potências mundiais em 30 anos (BRICS + EUA), figuram em 13º lugar (EUA), 71º (Rússia) 75º (Brasil), 92º (China) e 134º (Índia) lugares no ranking mundial do IDH, sendo que os dois últimos são classificados como IDH Médio (do Brasil já é definido como Alto e dos EUA como Muito Alto).



Países líderes do ranking mundial do IDH (Noruega, Austrália, Islândia, Canadá, Irlanda, Países Baixos, Suécia, França, Suíça, Japão, Luxemburgo, Finlândia) não figuram como potências mundiais estáveis ou em ascensão. Pelo contrário. O mesmo pode se afirmar em relação à América Latina. Chile ocupa o 44º lugar no ranking do IDH, seguido pela Argentina (49º), Uruguai (50º), Cuba (51º), México (53º) e Venezuela (58º), para citar alguns países com os quais Brasil mantém um relacionamento comercial e político intenso e que também não se destacam como lideranças políticas emergentes como o Brasil. México e Venezuela destacam-se como lideranças na região, mas com menor expressão mundial que o Brasil.
Cuba é o líder na área educacional, com 99,8% de taxa de alfabetização, somente superado pela Geórgia. Na América Latina, os países que mais se destacaram na melhoria de seu IDH foram Chile, Antígua e Barbuda, Uruguai e Cuba. Mas, qual a correspondência com o poder político real desses países no continente? Assim, parece que há uma sinalização que o poderio mundial não passa necessariamente pela igualdade social. Uma lástima. Mas um dado dos mais importantes para compreendermos a lógica que o mundo globalizado impôs desde os anos 80. Um mundo mais pragmático em que princípios como solidariedade, igualdade, fraternidade não se destacam tanto, em números concretos, como os econômicos, militares e comerciais.

Por RUDÁ RICCI
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. 

Um comentário:

AngelMira disse...

Caro Rudá:
Num desses debates estavam Eduardo Gianetti (Economista e Sociólogo), um ex-embaixador brasileiro, que não me lembro o nome, um historiador da UFSCarlos e o jornalista da Globonews.
Muito bem, os que mais convenceram foram: Gianetti, chamando à atenção para falta de investimento em educação, no capital humano! E o historiador que teme que seja tudo isso um ciclo onde prevalecem os números a despeito do social.
Agora lendo seu artigo, bem mais explicativo, talvez porque a televisão não permita o esclarecimento maior da pauta, ou até porque o embaixador agiu como marketeiro, nos mostra o quão importante a sua análise.
Esperamos que haja uma quebra de paradigmas nesse novo século e o pragmatismo se reduza. Mas, também esperamos que essa onda "pontencializadora", favoreça a redução das desigualdades.

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