Quase metade da população já é Classe C
Marcelo Neri, da FGV-RJ, acaba de divulgar a emergência da Classe C. Somos um país de classe média:
A Classe C é composta, hoje, por 91,8 milhões de brasileiros. Para a FGV, uma família é considerada de classe média (classe C) quando tem renda mensal entre R$ 1.064 e R$ 4.591. A elite econômica (classes A e B) tem renda superior a R$ 4.591, enquanto a classe D (classificada como remediados) ganha entre R$ 768 e R$ 1.064. A classe E (pobres), por sua vez, reúne famílias com rendimentos abaixo de R$ 768.
Em agosto de 2008 o mesmo Centro de Políticas Sociais da FGV (CPS/IBRE/FGV) já havia alertado para este fenômeno quando lançou o estudo "A Nova Classe Média". Desde 2002, a probabilidade de ascender da classe C para a classe A nunca foi tão alta, e a de cair para a classe E nunca foi tão baixa. A título de comparação, segundo o Pew Institute, 53% dos norte-americanos se consideram classe média. O novo Critério Brasil classificava como classe C, em 2005, 43% dos brasileiros. A classe média emergente continuou em expansão, desde então, nas seis principais metrópoles do país e passou a representar 53,8% da população em dezembro de 2008. Em outras palavras, o Brasil se tornou um país de classe média, similar aos EUA. A FGV constatou ainda a expansão constante das classes de renda mais elevada, as A e B.
Em agosto de 2008 a revista Época analisou o perfil das famílias desta nova classe média. Reproduzo o início da reportagem:
“Classe média, eu?”A idéia surpreende Josineide Mendes Tavares, uma manicure de 34 anos, moradora da Rocinha, a favela mais conhecida do Rio de Janeiro. Sua freguesia, formada por mulheres da zona sul, que Josineide atende em domicílio, proporciona uma renda de R$ 1.500 a R$ 2 mil por mês. Ela e os dois filhos pequenos vivem numa casinha de 35 metros quadrados. Lá dentro, ela tem uma televisão de tela plana de 29 polegadas, nova, equipada com serviço de TV por assinatura e DVD. Fãs de Cartoon Network e Discovery Kids, as crianças assistem à televisão sentados nas cadeiras de uma pequena mesa de jantar, porque na sala apertada não cabe um sofá. O fogão de quatro bocas é antigo, mas o ‘freezer’ e a geladeira Josineide acaba de comprar. Na laje, um extenso varal com roupas da moda e uma lavadora de última geração. ‘Compro tudo em parcelas a perder de vista’, diz ela. Ainda faltam um computador e um videogame. Ah!, sim. Josineide quer mais um celular. Ela já tem dois, mas diz precisar do terceiro para estar sempre à disposição da clientela. Josineide e os filhos formam uma família típica da nova classe média brasileira, segundo uma pesquisa divulgada na semana passada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio. De acordo com esse estudo, nos últimos seis anos cerca de 20 milhões de brasileiros deslocaram-se da base para o miolo da pirâmide social. Até há pouco tempo classificados como pobres ou muito pobres, eles melhoraram de vida e, como Josineide, começam a usufruir vários confortos típicos de classe média. Sua ascensão social revela uma excelente novidade: pela primeira vez na História, a classe média passa a ser maioria no Brasil.”
A mudança de status política é imensa. Em minhas andanças, onde apresento a tabela de progressão das classes sociais, muitas professoras me procuram, ao final da exposição, tristes porque, sendo arrimo de família, perceberam que sua família seria classe D. Em suma, tantos anos de trabalho e se percebem absolutamente desvalorizadas socialmente. Percebo um olhar muito mais para desespero que para frustração. Talvez porque desvenda uma evidente explicação para a soberba dos seus alunos, muitos deles emergentes, com mais poder de compra que sua família.
Mas as mudanças não ficam apenas por aí.
A nova classe média é muito distinta, em imaginário, que a classe média tradicional de nosso país. Não têm hábito de leitura e são absolutamente pragmáticos. Assim, valores universais e regras gerais são colocados sob suspeição com facilidade, a não ser que vinculadas aos valores religiosos.
Porque leem pouco, não são facilmente convencidos pelas manchetes de jornais. A grande imprensa ainda não descobriu este filão e continua empregando editores oriundos – ou com ideário – da classe média tradicional, que hoje transita entre certo liberalismo comportamental e conservadorismo político. O inverso, obviamente, dos valores dos emergentes. Porque os emergentes são pragmáticos e religiosos, não necessariamente nesta ordem e nem mesmo mantendo coerência entre discurso e prática. O fato é que os formadores de opinião são outros.
Os emergentes valorizam mais espaços de socialização em suas casas. Talvez porque a distribuição de cômodos das residências de seus pais e avós não garantisse privacidade. Um interessante artigo de Alberto Carlos Almeida, publicado no suplemento EU&, do jornal Valor Econômico (final de semana de 20 a 22 de março) revelou que 52% dos consumidores de baixa escolaridade desejariam reformar a cozinha de sua casa. O quarto é o espaço da intimidade, de culto à individualidade para a classe média tradicional. Mas nem sempre o é para a residência passada dos emergentes.
Outro dado é o ressentimento que carregam do passado de sua trajetória familiar. Em algum lugar de seu imaginário, o sentimento de injustiça ainda sobrevive. O cinismo é prática recorrente nos processos eleitorais, onde o voto é nada mais que uma obrigação ou um pit stop antes da curtição do feriado. A decisão é marcada pelo pragmatismo, pela visão instrumental e imediatista da política.
1. Classe Média e Democracia
“Classe média, eu?”A idéia surpreende Josineide Mendes Tavares, uma manicure de 34 anos, moradora da Rocinha, a favela mais conhecida do Rio de Janeiro. Sua freguesia, formada por mulheres da zona sul, que Josineide atende em domicílio, proporciona uma renda de R$ 1.500 a R$ 2 mil por mês. Ela e os dois filhos pequenos vivem numa casinha de 35 metros quadrados. Lá dentro, ela tem uma televisão de tela plana de 29 polegadas, nova, equipada com serviço de TV por assinatura e DVD. Fãs de Cartoon Network e Discovery Kids, as crianças assistem à televisão sentados nas cadeiras de uma pequena mesa de jantar, porque na sala apertada não cabe um sofá. O fogão de quatro bocas é antigo, mas o ‘freezer’ e a geladeira Josineide acaba de comprar. Na laje, um extenso varal com roupas da moda e uma lavadora de última geração. ‘Compro tudo em parcelas a perder de vista’, diz ela. Ainda faltam um computador e um videogame. Ah!, sim. Josineide quer mais um celular. Ela já tem dois, mas diz precisar do terceiro para estar sempre à disposição da clientela. Josineide e os filhos formam uma família típica da nova classe média brasileira, segundo uma pesquisa divulgada na semana passada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio. De acordo com esse estudo, nos últimos seis anos cerca de 20 milhões de brasileiros deslocaram-se da base para o miolo da pirâmide social. Até há pouco tempo classificados como pobres ou muito pobres, eles melhoraram de vida e, como Josineide, começam a usufruir vários confortos típicos de classe média. Sua ascensão social revela uma excelente novidade: pela primeira vez na História, a classe média passa a ser maioria no Brasil.”
A mudança de status política é imensa. Em minhas andanças, onde apresento a tabela de progressão das classes sociais, muitas professoras me procuram, ao final da exposição, tristes porque, sendo arrimo de família, perceberam que sua família seria classe D. Em suma, tantos anos de trabalho e se percebem absolutamente desvalorizadas socialmente. Percebo um olhar muito mais para desespero que para frustração. Talvez porque desvenda uma evidente explicação para a soberba dos seus alunos, muitos deles emergentes, com mais poder de compra que sua família.
Mas as mudanças não ficam apenas por aí.
A nova classe média é muito distinta, em imaginário, que a classe média tradicional de nosso país. Não têm hábito de leitura e são absolutamente pragmáticos. Assim, valores universais e regras gerais são colocados sob suspeição com facilidade, a não ser que vinculadas aos valores religiosos.
Porque leem pouco, não são facilmente convencidos pelas manchetes de jornais. A grande imprensa ainda não descobriu este filão e continua empregando editores oriundos – ou com ideário – da classe média tradicional, que hoje transita entre certo liberalismo comportamental e conservadorismo político. O inverso, obviamente, dos valores dos emergentes. Porque os emergentes são pragmáticos e religiosos, não necessariamente nesta ordem e nem mesmo mantendo coerência entre discurso e prática. O fato é que os formadores de opinião são outros.
Os emergentes valorizam mais espaços de socialização em suas casas. Talvez porque a distribuição de cômodos das residências de seus pais e avós não garantisse privacidade. Um interessante artigo de Alberto Carlos Almeida, publicado no suplemento EU&, do jornal Valor Econômico (final de semana de 20 a 22 de março) revelou que 52% dos consumidores de baixa escolaridade desejariam reformar a cozinha de sua casa. O quarto é o espaço da intimidade, de culto à individualidade para a classe média tradicional. Mas nem sempre o é para a residência passada dos emergentes.
Outro dado é o ressentimento que carregam do passado de sua trajetória familiar. Em algum lugar de seu imaginário, o sentimento de injustiça ainda sobrevive. O cinismo é prática recorrente nos processos eleitorais, onde o voto é nada mais que uma obrigação ou um pit stop antes da curtição do feriado. A decisão é marcada pelo pragmatismo, pela visão instrumental e imediatista da política.
1. Classe Média e Democracia
O importante, no caso, é perceber que as classes superiores foram substituídas pelas inferiores e redefiniram os padrões de comportamento da sociedade como um todo. E este fenômeno parece se repetir no Brasil. Um espírito de investimento na ascensão e consumo que interfere na redução da taxa de fecundidade, em queda vertiginosa no nosso país. A média de filhos por mulher chegou a 1,8. Também, assim como nos EUA, os membros da nova classe média tendem a casar mais tarde.
Além de todos estes fenômenos de comportamento, temos toda possibilidade de aquecimento do mercado imobiliário, da linha branca de consumo durável, de aumento da esperança de vida em nosso país. E uma evidente queda de prestígio de qualquer trabalho manual, embora com valorização mediana dos estudos, o que pode gerar uma contradição em relação às expectativas futuras da nova classe média. Nos EUA, para ilustrar, os filhos de operários pararam de estudar porque terminaram o curso secundário ou a escola técnica, ou simplesmente porque "detestam o colégio". Provavelmente a metade deles não tem qualquer projeto ou ambição profissional específica, e as aspirações de muitos pais não vão além de um desejo vago de ver os filhos "progredirem" ou receberem o máximo de instrução possível. Certamente conseguem o primeiro emprego candidatando-se ao acaso em agências, ou por intermédio de conhecidos ou parentes. A única informação que têm sobre o emprego antes de começarem a trabalhar é o salário inicial, e a maioria das colocações, talvez dois terços, são becos sem saída.
Algo que parece ser uma fatalidade que atingirá nossa nova classe média, já que os índices de analfabetismo estacionaram (são os piores índices sociais da Era Lula) e a queda de matrículas do Ensino Médio e Educação para Jovens e Adultos (EJA) despencaram.
O gráfico acima, contudo, é alentador. Não foi o Bolsa Família o principal responsável pela recente mobilidade social positiva. Foi o aumento do salário mínimo. O que diminui a fácil projeção de uma idolatria ao governo federal, tal como ocorreu no caso de Getúlio Vargas. Mas, não há dúvidas, que tal ascensão em breve espaço de tempo alimenta tal risco de geração de uma espécie de neopopulismo, em bases muito distintas dos anos 50 e 60.
Porque o populismo daquele período ocorreu a partir da emergência das classes urbanas, das multidões urbanas. Mas agora, temos a emergência de uma classe média ávida pelo consumo mais qualificado. E, neste sentido, poderíamos ter em Lula a objetivação da garantia deste novo consumo, da esperança de segurança e mobilidade social.
Daí ser o maior fenômeno sociológico do Brasil recente.
Por RUDÁ RICCI
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa.
Blog: rudaricci.blogspot.com
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