Por RUDÁ RICCI
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. E-MAIL: ruda@inet.com.br . SITE: www.cultiva.org.br . Blog: rudaricci.blogspot.com
1. Algumas palavras sobre América Latina
No início de outubro de 2007, representei o Brasil no seminário ¿De qué democracia hablamos? organizado pelo professor Manuel Canto, da Universidad Autónoma do México. O seminário envolveu muitos pesquisadores sociais da América Latina e durante quatro dias fizemos uma imersão nos nossos descaminhos democráticos, rodeados pelo clima simpático e místico da Cidade do México. Falei numa mesa sobre reforma do Estado e participação cidadã, ao lado de Nuria Cunnill (CLAD) e Fabio Velásquez (Colombia). Fabio é um sociólogo ponderado, membro da Fundação Foro Nacional por Colômbia (ver http://foro.org.co/). No dia da eleição que poderá mudar o rumo política dos colombianos, decidi escrever algumas linhas sobre aquele seminário e socializar algumas informações que me parecem importantes para que o leitor entenda o que ocorre no nosso vizinho.
Começo com a provocação de Henry Morales, liderança social da Guatemala, logo no início das nossas reflexões. Morales sugeriu três possibilidades de avanço democrático na América Latina: a) a resignação política; b) a inovação a partir da base social e; c) a via institucionalizada dos partidos políticos. Hoje, esta proposição me parece mecânica já que as três possibilidades parecem entrelaçadas. Mas, naquele seminário, parecia descortinar um embate democrático dos mais interessantes. A literatura especializada sobre partidos políticos na América Latina reafirma que o sistema brasileiro é dos mais frágeis. Talvez, daí a sensação da composição das três possibilidades. Mas parece uma tônica do continente: o movimento combinado e cíclico entre apatia, inovação social e forte sistema de representação política apartado do cotidiano dos cidadãos.
No seminário do México havia uma evidente divisão entre os institucionalistas (os mexicanos à frente) que sugeriam a concertação política envolvendo os partidos políticos, e aqueles que estariam mais vinculados aos movimentos sociais de base (no qual me incluía, juntamente com os representantes da Bolívia, Guatemala e europeus, em especial).
Mas o que chamava a atenção era a situação limite da Colômbia. Uma espécie de situação de impasse político-institucional, com o cerco dos grupos paramilitares e o estilo populismo de direita do presidente Álvaro Uribe. Na outra ponta estaria a Bolívia, amplamente mobilizada a partir das comunidades indígenas.
Guillermo Asprilla, militante político da Colômbia, traçou um desenho agudo e complexo de seu país. Discorreu sobre o marco político de 1991, a partir do pacto que gerou a Constituição Política da Colômbia. Naquela oportunidade, o movimento guerrilheiro M19 entregou suas armas e constituiu-se como partido. Conseguiu, em seguida, apenas 10% dos votos e desapareceu aos poucos. A partir de seu desaparecimento, todo pacto estabelecido pela Constituição de 1991 (fundado no modelo de Estado de Bem-Estar Social Europeu) foi esquecido pelo novo governo. Em seguida, implantaram-se iniciativas governamentais de tipo neoliberal e aflorou uma estrutura paramilitar que hoje ocupa toda costa leste e controla 33% do Congresso Nacional. Citou, contudo, experiências inovadoras, como as "Constituintes Locais".
Historicamente, o fim da disputa entre liberais e conservadores (que chegou ao ápice em 1948, com o assassinato do líder liberal Jorge Elécer Gaitán) forjou-se a partir de um acordo entre as elites partidárias que bloqueou os canais de expressão popular, a partir de 1954. O acordo entre liberais e conservadores procurou coibir a organização camponesa que emergia no período. Uma das iniciativas para este pacto pelo alto foi o Plano Laso (Latin America Security Operation), articulado pelos EUA e que objetivava combater movimentos sociais considerados radicais na América Latina. Como se percebe, a divisão ideológica do país vem de longe.
Ricardo Rodríguez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, em seu artigo “Colômbia: uma guerra contra a sociedade” reafirma a divisão territorial do país entre guerrilheiros, narcotraficantes e paramilitares, que lutam entre si e as Forças Armadas. Os analistas colombianos indicam que o noroeste do país está comandado por forças paramilitares, incluindo prefeitos eleitos recentemente, e o sul e sudeste da Colômbia estariam sob controle territorial da guerrilha.
Estima-se que 500 mil colombianos estejam exilados no exterior em virtude da guerra. Segundo o Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar, existiriam 2 mil adolescentes integrados à guerrilha e 3 mil vinculados aos grupos paramilitares. Até a ofensiva de Uribe sobre os grupos guerrilheiros, estimava-se que dos 1.000 municípios colombianos, 650 contavam com a presença de guerrilheiros. Estudos locais afirmam que existiriam 20 mil guerrilheiros fortemente armados e 7 mil paramilitares. Estes últimos seriam liderados pelos irmãos Castanho e adotam represálias violentíssimas contra comunidades rurais que apóiam os guerrilheiros.
Começo com a provocação de Henry Morales, liderança social da Guatemala, logo no início das nossas reflexões. Morales sugeriu três possibilidades de avanço democrático na América Latina: a) a resignação política; b) a inovação a partir da base social e; c) a via institucionalizada dos partidos políticos. Hoje, esta proposição me parece mecânica já que as três possibilidades parecem entrelaçadas. Mas, naquele seminário, parecia descortinar um embate democrático dos mais interessantes. A literatura especializada sobre partidos políticos na América Latina reafirma que o sistema brasileiro é dos mais frágeis. Talvez, daí a sensação da composição das três possibilidades. Mas parece uma tônica do continente: o movimento combinado e cíclico entre apatia, inovação social e forte sistema de representação política apartado do cotidiano dos cidadãos.
No seminário do México havia uma evidente divisão entre os institucionalistas (os mexicanos à frente) que sugeriam a concertação política envolvendo os partidos políticos, e aqueles que estariam mais vinculados aos movimentos sociais de base (no qual me incluía, juntamente com os representantes da Bolívia, Guatemala e europeus, em especial).
Mas o que chamava a atenção era a situação limite da Colômbia. Uma espécie de situação de impasse político-institucional, com o cerco dos grupos paramilitares e o estilo populismo de direita do presidente Álvaro Uribe. Na outra ponta estaria a Bolívia, amplamente mobilizada a partir das comunidades indígenas.
Guillermo Asprilla, militante político da Colômbia, traçou um desenho agudo e complexo de seu país. Discorreu sobre o marco político de 1991, a partir do pacto que gerou a Constituição Política da Colômbia. Naquela oportunidade, o movimento guerrilheiro M19 entregou suas armas e constituiu-se como partido. Conseguiu, em seguida, apenas 10% dos votos e desapareceu aos poucos. A partir de seu desaparecimento, todo pacto estabelecido pela Constituição de 1991 (fundado no modelo de Estado de Bem-Estar Social Europeu) foi esquecido pelo novo governo. Em seguida, implantaram-se iniciativas governamentais de tipo neoliberal e aflorou uma estrutura paramilitar que hoje ocupa toda costa leste e controla 33% do Congresso Nacional. Citou, contudo, experiências inovadoras, como as "Constituintes Locais".
Historicamente, o fim da disputa entre liberais e conservadores (que chegou ao ápice em 1948, com o assassinato do líder liberal Jorge Elécer Gaitán) forjou-se a partir de um acordo entre as elites partidárias que bloqueou os canais de expressão popular, a partir de 1954. O acordo entre liberais e conservadores procurou coibir a organização camponesa que emergia no período. Uma das iniciativas para este pacto pelo alto foi o Plano Laso (Latin America Security Operation), articulado pelos EUA e que objetivava combater movimentos sociais considerados radicais na América Latina. Como se percebe, a divisão ideológica do país vem de longe.
Ricardo Rodríguez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, em seu artigo “Colômbia: uma guerra contra a sociedade” reafirma a divisão territorial do país entre guerrilheiros, narcotraficantes e paramilitares, que lutam entre si e as Forças Armadas. Os analistas colombianos indicam que o noroeste do país está comandado por forças paramilitares, incluindo prefeitos eleitos recentemente, e o sul e sudeste da Colômbia estariam sob controle territorial da guerrilha.
Estima-se que 500 mil colombianos estejam exilados no exterior em virtude da guerra. Segundo o Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar, existiriam 2 mil adolescentes integrados à guerrilha e 3 mil vinculados aos grupos paramilitares. Até a ofensiva de Uribe sobre os grupos guerrilheiros, estimava-se que dos 1.000 municípios colombianos, 650 contavam com a presença de guerrilheiros. Estudos locais afirmam que existiriam 20 mil guerrilheiros fortemente armados e 7 mil paramilitares. Estes últimos seriam liderados pelos irmãos Castanho e adotam represálias violentíssimas contra comunidades rurais que apóiam os guerrilheiros.
2. Um outsider no Poder
Escrevo no momento em que as urnas acabam de ser fechadas na Colômbia. Foram dez mil centros de votação, num processo eleitoral sem registro de incidentes. Foram quase 30 milhões de colombianos que votaram, possivelmente, por um segundo turno entre o candidato governista Juan Manuel Santos (Partido Social da Unidade Nacional, vinculado ao atual Presidente, Alvaro Uribe) e Antanas Mockus (Partido Verde).
Aurelijus Rutenis Antanas Mockus Šivickas é matemático e filósofo, filho de imigrantes lituanos. Foi reitor da Universidade Nacional da Colômbia e recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris XIII. Foi prefeito de Bogotá de 1995 a 1997 e de 2001 a 2004. No ano passado filou-se ao Partido Verde ao lado de Luis Eduardo Garzón (sindicalista, prefeito de Bogotá de 2004 a 2007, candidato a Presidente em 2002) e Enrique Peñalosa (prefeito de Bogotá, de 1998 a 2001). Todos analistas colombianos afirmam que hoje pode ter início a mudança mais radical do regime político de seu país. Mockus é um ator político sui generis. Embora tenha prometido dar continuidade à política de segurança do presidente colombiano Álvaro Uribe (afinal, é o tema mais sensível para a classe média do país), ampliou a agenda nacional com a promessa de redução da taxa de desemprego (hoje, em 12%), redução do déficit fiscal (hoje, em 4% do PIB) e promoção de reformas sociais. E, ainda, ataca duramente a corrupção instalada em toda estrutura de Estado.
Mas não é daí que vem a novidade. A novidade é o estilo mais que excêntrico de Mockus. Como prefeito de Bogotá, o candidato do partido verde revelou-se um excelente gestor, membro de uma geração que envolve, ainda, Guerreiro e Peñalosa.
O gráfico acima sugere o quanto a política de segurança de Bogotá vem surtindo efeito, o que faz de Mockus uma liderança especial, alternativo, mas que garante segurança desejada. Sob sua gestão, os índices de homicídios caíram em 45%. Assim é possível a transição política. Durante sua gestão, desenvolveu ações inusitadas, como fechamento de bares e proibição de venda de álcool, além do desarmamento civil. Em meio a escândalos de corrupção e de envolvimento de políticos com paramilitares, Mockus se apresenta como o candidato que governará na legalidade e combaterá a corrupção. É o preferido dos eleitores jovens e o favorito nos grandes centros urbanos. Outro tema importante de sua campanha foi o combate à desigualdade social. São 20 milhões de pobres, em uma população de 44 milhões.
O estilo excêntrico combina com o discurso inovador. Como reitor, deslocava-se de bicicleta; chegou a baixar suas calças num auditório da universidade em que era reitor como resposta à um grupo de estudantes que o vaiavam. Como prefeito, chegou a se vestir de super-herói (se autodenominando de supercidadão) para ensinar boas maneiras aos moradores da sua cidade. Nas eleições deste ano, em vários comícios deixou-se cair, de costas, nos braços de seus assessores para demonstrar a confiança que falta ao povo colombiano. Aliás, sugeria que os eleitores que assistiam seu comício para fazerem o mesmo com seu vizinho. Sua pregação teve como mote o que denomina “legalidade democrática”. Não se afirma anti-Uribe, mas sua vitória projetará a América Latina como o mais importante celeiro de experiências democráticas do Planeta, marcado por inovações de leve radicalidade. A transgressão que não rompe com a ordem.
O estilo excêntrico combina com o discurso inovador. Como reitor, deslocava-se de bicicleta; chegou a baixar suas calças num auditório da universidade em que era reitor como resposta à um grupo de estudantes que o vaiavam. Como prefeito, chegou a se vestir de super-herói (se autodenominando de supercidadão) para ensinar boas maneiras aos moradores da sua cidade. Nas eleições deste ano, em vários comícios deixou-se cair, de costas, nos braços de seus assessores para demonstrar a confiança que falta ao povo colombiano. Aliás, sugeria que os eleitores que assistiam seu comício para fazerem o mesmo com seu vizinho. Sua pregação teve como mote o que denomina “legalidade democrática”. Não se afirma anti-Uribe, mas sua vitória projetará a América Latina como o mais importante celeiro de experiências democráticas do Planeta, marcado por inovações de leve radicalidade. A transgressão que não rompe com a ordem.
* Artigo enviado ao blog no dia 30/maio/2010.
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