Arquivo VAGALUME

quinta-feira, 14 de abril de 2011

UMA HOMENAGEM MAIS QUE MERECIDA E UMA REFLEXÃO TARDIA, MAS NECESSÁRIA

Como divulgamos em outra postagem, a Câmara de Vereadores de Miracema homenageou, na pessoa de Dona Aparecida Ratinho, jongueira, representante ilustre do Caxambu de Miracema, da região Noroeste e do Brasil.
Segundo o vereador Paulo César Azevedo a ideia de homenageá-la surgiu de um destaque que leu na revista Veredas, sobre o caxambu de Miracema de Dona Aparecida.
O Caxambu é conhecido de todos os miracemenses, os mais antigos narram que o palco do caxambu era o terreno onde está instalada a Prefeitura Municipal. Um terreiro utilizado pelos antigos jongueiros como: Chico Violeiro e Maria Batuquinha.
Tivemos a honra de conhecer no salão do Colégio Cenecista N. Sra. das Graças esse folclore maravilhoso de Miracema, uma parceria do estafe do colégio com a Casa da Cultura, então, liderada pelo Marcelo Salim de Martino, no final da década de 80. Foi uma noite inesquecível! Antes, o que nos fazia medo (boi pintadinho, folia de reis), passou a nos trazer alegria e aprendizado. Através daquele evento, onde comemos até acarajé e dançamos, passamos a conviver melhor e conhecer melhor a nossa própria cultura. Se a memória não falha, foi nos idos de 89, logo ali (risos), que tivemos a oportunidade, proporcionada pelo colégio e pelo poder público, de valorizar a identidade de nossa região, nossa cultura... 
Na busca da referida revista Veredas, que não encontramos na internet, encontramos um artigo da autoria de Tânia Vasconcelos, intitulado "Infância e Patrimônio". Divulgado na Revista da FAEEBA, do Departamento de Educação da Universidade Federal da Bahia, a autora apresenta o trabalho em resumo da seguinte forma:

O artigo, resultante de uma investigação etnográfica com crianças, toma a si os estudos sobre as relações entre infância e patrimônio, tendo por contexto o universo do Jongo ou Caxambu, manifestação cultural do Vale do Paraíba, registrada em nível nacional como patrimônio imaterial em 2005. A introdução das crianças na prática desse folguedo foi elemento fundamental na construção cruzada de um novo conceito de infância e de uma nova identidade do próprio Jongo ou Caxambu. Em foco, é colocada a relação educativa percebida como um encontro entre diferentes tempos, diferentes gêneros e vivida como tarefa política, geradora do novo.
Não para nossa surpresa, digitamos a palavra Miracema e encontramos:
Encontrei o Caxambu das Crianças de Miracema-RJ, em 2005, ao final da pesquisa “Criança do Lugar e Lugar de Criança: Territorialidades Infantis no Noroeste Fluminense” (VASCONCELLOS, 2005). Este estudo articulava as narrativas que professores de escolas públicas, privadas e filantrópicas faziam de suas infâncias e do trabalho que desenvolviam junto à Educação Infantil. Trazia por pano de fundo os relatos de cronistas locais e o trabalho de pesquisadores que tomaram a si temas da história e cultura da região noroeste fluminense. Entre outros dados, a pesquisa revelou um profundo silenciamento da escola em relação aos bens da cultura popular local. Tais manifestações, que apareciam nos estudos acadêmicos como elementos relevantes e reveladores da identidade cultural do noroeste fluminense, desapareciam nos discursos sobre práticas educativas como se fossem estranhas à escola e à educação escolar. No entanto, viemos a constatar que aquilo que a escola abandonava – esses saberes e fazeres da tradição – era objeto de práticas educativas que aconteciam fora da escola, organizadas pelos representantes desses saberes: os líderes do Caxambu da região. Meu encontro com as crianças do Caxambu teve lugar na mesma época em que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN - realizava o inventário do Jongo e Caxambu, com fins de torná-lo parte dos bens registrados na recém criada categoria de patrimônio imaterial. O Caxambu das Crianças de Miracema recebe crianças a partir dos três anos. Embora existam crianças nos grupos de Caxambu de Santo Antônio de Pádua e Porciúncula, ambos municípios do Noroeste fluminense, o fato do Caxambu de Miracema ser o único a contar com um grupo exclusivamente de crianças definiu que este acabasse sendo, neste estudo, um campo privilegiado para pensar as relações entre infância e patrimônio. (grifos nossos)
***** 
Dirigida, via de regra, por mulheres, em torno do Caxambu ou Jongo, existe sempre uma confraria ou associação. Em Pádua, durante muitos anos e até a sua morte, dirigiu o Jongo Dona Sebastiana Segunda. No município vizinho, Miracema, ainda está na liderança Dona Aparecida Ratinho. Os saberes que envolvem a prática do jongo ou caxambu são transmitidos oralmente, sendo os mais velhos os seus guardiões. São verdadeiros “tesouros humanos vivos”, categoria referida pela UNESCO para designar pessoas que guardam a memória de práticas e saberes ancestrais (ABREU, 2003) que detêm o sentido da prática do jongo, tanto o revelado como aquele que é de posse apenas dos iniciados. Dona Sebastiana Segunda ofereceu em vida o seguinte depoimento:
A dança é uma “obrigação”, no dia 13 de maio, festejando-se o fim do cativeiro. Antigamente, na véspera da festa baixava-se um mastro, que o ano inteiro ficava no terreiro de sua casa e em cuja ponta figurava uma boneca “muito bem vestida”. No dia 13, uma nova “ainda mais rica” era colocada na mesma posição, devendo permanecer até o ano seguinte. A boneca representava a “rainha” (a Princesa Isabel) em cujo louvor se cantava os primeiros pontos (VIVES, 1977, p. 71).

***** 

As crianças vão chegando devagar à rua em frente ao terreirão de chão batido onde o grupo de Caxambu se reúne para o ensaio. A noite é fria. Algumas crianças se dispersam brincando. Quatro meninas brincam de roda. Outras duas de um jogo ritmado que soma música a uma coreografia de batidas de mão. Os meninos preferem se colocar na periferia, juntos, conversam, riem. Estamos todos em frente a casa da mestre-jongueira, a matriarca do Caxambu de Miracema. Na porta, começa a distribuição das saias. Tem chamado a minha atenção a importância da indumentária no jongo/caxambu. Principalmente a mudança de atitude das meninas após vestirem as saias sobre os seus shorts e camisetas, as pernas sujas de terra – de correr e brincar. Ao vestirem as saias as meninas se elevam. Parecem maiores. Assumem uma postura ereta, altiva. A roda da saia gira na roda do jongo, como se fosse um símbolo dentro de
um símbolo. Descemos todos para o terreirão, que fica em nível abaixo da rua. Alguns carregam bancos, outros, os tambores – tambu, caxambu, candongueiro. Uma das meninas mais velhas se achega a mim: – Tia, hoje você vai dançar com a gente. A proposta me pega de surpresa e retruco que não tenho saia pra dançar. Ela insiste: – Mas eu trouxe uma saia pra você. É a saia da minha avó. E me mostra. Tento ainda escapar dizendo que sou grande e gorda e ela, definitiva, diz: – Mas a saia é de elástico. Rendo-me. (Nota de Campo, outubro de 2007)

*****

Hoje as crianças me conduziram ao cemitério. É dia de São Cosme e São Damião, os santos gêmeos, identificados no sincretismo afro-brasileiro com a falange das crianças. O ritual que vou assistir é o que precede a comemoração da data com balas e doces. As crianças vão ao cemitério para prestar culto à alma dos natimortos. São ao todo sete crianças com idades variadas, mas sempre inferior a sete anos. Vão vestidas de branco e levam nas mãos um saco de papel com balas e açúcar. Atravessam a comunidade guiadas pelo líder jongueiro e acompanhadas por um fogueteiro que marca a sua passagem pelas ruas. O cemitério está construído na encosta do Morro do Cruzeiro, sua entrada principal fica ao sopé do morro, próximo ao centro da cidade. O portão dos fundos, por onde adentramos, fica no alto do morro. Caminhamos nas ruas estreitas do cemitério até alcançar um largo entre os túmulos onde se encontrava um toco, uma árvore decepada. Em torno desse toco foi deixada a oferenda: Sete copos de leite para alimentar aqueles que não puderam sugar o seio de suas mães, balas, açúcar e uma vela acesa. As crianças dançam e cantam. No retorno, o fogueteiro anuncia a passagem do cortejo. As crianças da comunidade correm ao encontro das crianças do Caxambu que lhes distribuem balas. (Nota de campo, setembro/2007)


O tema da morte e das almas é recorrente no Caxambu. Como também é próximo das crianças na vida cotidiana. Durante a pesquisa no Morro do Cruzeiro, o marido da Mestra Jongueira de Miracema foi assassinado a facadas. O crime foi assunto tratado pelas crianças por muito tempo, como também o foi o assassinato da menina de seis anos lançada pela janela em São Paulo e que tomou o noticiário e o imaginário das crianças. A espetacularização da morte produzida pela mídia entra aqui em diálogo com os processos de ritualização do Caxambu que dão à morte uma dimensão estética por meio da música e dança, por meio dos versos e das demandas. O embate que se trava é entre a informação e a narrativa.
*****

Era o que pretendíamos destacar, porque não havíamos lido ainda nenhuma narrativa dessa magnitude e que destaca sobretudo a educação patrimonial, tendo como tema de fundo o Caxambu, que é tão representativo para nossa região. 
Aos interessados deixamos os links, ao longo da postagem, para que possam acessar mais informações e também o artigo de onde extraímos essas informações.
Aproveitamos o ensejo para parabenizar o líder comunitário miracemense, Marcos Moura, pela manifestação pertinente e importante feita na sessão do dia 11 de abril, da Câmara de Vereadores de Miracema, em que apelou para que o poder público apoie as manifestações folclóricas e culturais de Miracema. Foi destacado que há proposta de outros edis, inclusive já apresentada pelo vereador Armandinho, de criar no município o Dia do Folclore. Ressaltamos que o Encontro Regional, ou estadual, ou nacional de Jongueiros é também fundamental.
"Antes tarde do que nunca", diz o ditado.

4 comentários:

Lion disse...

Que bonito isso, Angeline!

Lembro dela num encontro de Folias realizado pela Rádio Princesinha no final dos anos 80, início dos 90.

Mas bacana mesmo vai ser quando as pessoas realmente valorizarem esse saber.

Zé Maria Aquino disse...

Beleza de pesquisa, mergulhando no tempo, levando-me para o início dos anos 40, ali mesmo no terrono onde hoje está a Prefeitura. Maria Batuquinha cantando "Chico Violeiro mandou saravá, capitão Altivo prefeito do lugar...' abraços

AngelMira disse...

Lionel,
Pelo comentário fica expresso o tamanho de sua sensibilidade. Se entrar no link "Caxambu de Miracema", na postagem, verá que houve em 85 um trabalho de divulgação da Prefeitura.

AngelMira disse...

Zé Maria,
Leia também sobre o "Caxambu de Miracema" no link do início da postagem. Você vai gostar.

Seguidores VAGALUMES

VAGALUMES LIGADOS

Siga-nos

Siga-nos
É só clicar sobre o twitter

NOVIDADES VAGALUMES por e-mail

Enter your email address:

Delivered by FeedBurner

Movimento dos Internautas Progressistas do Rio

Movimento dos Internautas Progressistas do Rio
#RIOBLOGPROG