“Miracema é uma cidade que vive das glórias do passado”. Esse foi um dos comentários colhidos em tom crítico numa das postagens em redes sociais, de divulgação do Patrimônio cultural edificado de nosso Centro Histórico. Felizmente nos orgulhamos muito do nosso passado próspero. Das pessoas que ajudaram a escrever nossa história. E essa história pode ser revisitada dentre outras formas, através de um passeio pelo Centro Histórico. Neste passeio, os imóveis preservados através do tombamento, nos lembrarão do que fomos, do que nos tornamos e no que ainda poderemos construir. Afinal, é para isso que serve a história e a preservação da memória coletiva de nossa gente: nosso contínuo desenvolvimento pessoal e social.
Cientistas chineses, em recente estudo publicado na Revista J. Neurosci, descobriram que a nostalgia, que significa sensação de saudade originada pela lembrança de um momento vivido no passado ou de pessoas que estão distantes, pode ter efeito analgésico. O grupo experimental que visualizou fotos antigas, músicas, filmes e histórias, assim como perfumes e sabores que remetem a memórias antigas pessoais, comprovou que essas experiências podem trazer benefícios psicológicos, por fim reduzindo a dor física que sentiam.
Os fatos comprovam: Certa ocasião, presenciamos o retorno a Miracema de uma senhora, de família tradicional aqui nascida, após muitos anos afastada. Ao se dirigir ao antigo endereço e não mais encontrando a casa paterna, que havia sido vendida e demolida, teve uma crise nervosa e precisou ser amparada pelas pessoas próximas. Uma dor profunda a invadiu, por não mais encontrar a casa de sua infância e juventude, um local cheio de lembranças, de sentimentos e de saudades. Não encontrou mais as referências, em especial a porta na qual, quando jovem, ficava a determinada hora do dia esperando a passagem pela rua de um rapaz pelo qual era apaixonada. Uma paixão proibida, diante dos entraves sociais que distanciavam o rapaz pobre da moça rica, de modo que estar junto aquela porta era a única forma de estar próxima de seu grande amor. Essa passagem marcou profundamente este colunista, na época ainda adolescente.
O segundo caso é mais recente. Tomamos conhecimento a partir do relato dos que presenciaram o retorno de outra senhora, também nascida em Miracema, que voltou para comemorar seu centenário de vida. Soubemos do contentamento, da emoção e da felicidade que a invadiram ao rever as paisagens que ambientaram suas memórias de juventude. Após ter percorrido vários pontos da cidade que ficaram gravados em sua memória, como o Colégio Miracemense, finalizou o passeio, visitando a casa onde passou a sua juventude. A medida que ia andando, ia descrevendo os ambientes, como eram mobiliados, quem os ocupava, das fruteiras existentes no quintal. E, ao final da visita, emocionada, agradeceu aos proprietários por terem mantido aquela casa, ainda que com pequenas modificações, preservada. Chorando de emoção, disse ao sair, ter sido aquele um dos dias mais felizes de sua vida. Um momento que jamais se esqueceria.
Pessoas idosas, que passaram por grandes perdas ou tiveram de migrar ao longo da vida, valorizam mais o papel da memória para seu equilíbrio emocional, e as paisagens são ferramentas poderosas para a preservação da memória.
Esta é uma das funções da preservação do conjunto arquitetônico de Miracema. Impedir o desparecimento desses elementos que simbolizam a relação entre o lugar e seus habitantes, fatores importantíssimos para evolução pessoal e social, distinguindo nossa pequena cidade no mundo.
A perda desses elementos da paisagem que tanto nos orgulham (as chamadas “glórias do passado”) leva ao desaparecimento dos referenciais visuais e ambientais da cidade, fazendo com que o cidadão não mais encontre o seu lugar na comunidade e não mais reconheça o seu ambiente, enfraquecendo as relações.
Não é viver do passado, simplesmente. É tirar as lições e exemplos desse passado no presente e construir um futuro do qual continuamos a nos orgulhar.
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