Aqui eu despeço
Da carreira de Professor,
Passo dias a lembrar
Das coisas que se passou.
Do começo ao fim
O espaço encurtou.
E o que há pouco era difícil,
Já é saudade, foi esquecido.
As pedras que surgiram
Eu deixo às margens,
Não levo comigo.
O Tempo é mesmo Mestre,
Autor da temperança.
Se meus dias de ensinar
Vão se perder na lembrança,
Este Tempo caprichoso
Me tece uma delicada trança,
Com os fios de minhas lembranças.
Com a Gramática, Literatura e Arte
Ensinei prosa e poesia,
Leitura por toda parte.
Me alimentei de tantos versos,
Degustei paródias, prosódias e cacofonias.
O livro por todos estes anos
Foi meu pão de cada dia.
Nas viagens de além-mar.
Li as Cartas de caminha.
Vi nas sátiras de Gregório
Um Brasil que descaminha.
Para isso consertar “Livros, livros à mão cheia”,
Com o poeta dos escravos, mandei a garotada pensar.
Os moinhos de Quixote
Trouxeram às minhas aulas
Ilusão, amor, alegrias.
Mas a eles João Cabral falou
Das muitas vidas Severinas,
Que vale vê-las brotar, ainda que franzinas.
Anos de ouro foram
O tempo dos Recitais.
Garimpava em meus rebentos
Os genuínos talentos,
Poemas, contos, canções,
Gostinho de quero mais.
Com Oswaldo, Mário, Bandeira
Ensinei a transgressão.
No Brasil da vanguarda
Viajamos para Pasárgada
Onde só tem vez
Quem é amigo do Rei.
Viro a página, mais um capítulo, nova lição,
Guimarães recria a língua, traz o mundo pro Sertão,
Onde a Justiça se equilibra nas balas de Lampião.
Na luta do bem e do mal,
No sentido e aprendizado da vida,
Os alunos me perguntam quem está com a razão.
Vou buscar esta resposta
No Auto da compadecida,
Para tantos pecadores
Um julgamento fiel,
Nossa Senhora Advogada,
O Juiz Emanuel.
Foi em meio à travessia
Que um amigo de nome Aurélio
Me entrega o leme, a direção.
Mas em meio ao mar bravio
Enfrentando tempestades,
Foi que Ana Terra deparou
Com certo capitão Rodrigo,
Codinome Frederico, que ainda hoje
O Tempo e o Vento não levou.
Foi com Bilac que louvei
Minha Profissão de Fé,
Esta ourives professora
Lapidou o seu rubi.
Nesta via de mão dupla
Não sei o quanto ensinei
Sei o muito que aprendi.
Raquel, Vinicius, Drummond, Machado, Amado, Vieira,
De mãos dadas eu segui
É lição para a vida inteira.
Nestas tantas idas e vindas,
Histórias que não tem fim.
Hoje olho para o lado,
Vejo que o Paraíso ficou
Bem mais perto de mim.
A certa curva da estrada
Não há mais exclusiva dedicação
Há tempos estou dividida
Com uma outra missão.
Nos pratos da balança
Não estão só o mestre e a criança.
Encerrando minha prosa,
Aos colegas que ficam
Redigindo a profissão,
Desejo que ao final de seu poema
O seu verso também seja
Sim, valeu a pena
A todos que comigo caminharam ,
Neste ofício predileto,
Deixo o abraço poético do Ferreira,
Com açúcar, com afeto.
Professora Ana Cristina Pinheiro
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