Arquivo VAGALUME

terça-feira, 5 de maio de 2009

ENTREVISTA COM SÉRGIO DE MARTINO AVERSA

Em dezembro do ano passado, foi editada uma lei que obriga o ensino da música nas escolas brasileiras. O blog pediu a opinião do músico miracemense, Sérgio de Martino Aversa sobre o assunto.

Foto: Sérgio, no piano e Alleton Mello, na flauta.




Leia a entrevista:



BLOG - Como músico, professor e envolvido com a educação musical na UEMG, (Universidade do Estado de Minas Gerais) qual é a sua opinião sobre a nova lei que torna obrigatório o ensino da música em todas as escolas brasileiras? De que forma isso contribui para o aprendizado e para a formação do CIDADÃO?


SÉRGIO: Tornar o ensino de música obrigatório é um grande passo para a volta do hábito de pensar. No início desta semana assisti a uma entrevista com o dramaturgo Alcione Araújo na TV e ele disse que as pessoas se afastaram da cultura porque a educação se afastou da cultura. As escolas pensam em ter aprovação do aluno no vestibular. O que deveria ser uma conseqüência natural virou o objetivo natural. Na realidade a escola é para preparar o cidadão para vida e isso inclui também o vestibular. Mas este não é (ou não deveria ser) o objetivo principal.

No caso específico da música, a questão vai além. Um ensino de música bem estruturado envolve uma cultura musical ampla. E o que seria essa amplitude? A música está ligada à história. Seja diretamente, vivendo o momento, ou até mesmo negando essa história. Portanto, esse viés já é uma abertura pra outro campo. Ela está ligada a ritmo, precisão ou imprecisões temporais, está ligada ao desenvolvimento da coordenação motora fina, etc. Ou seja, mesmo que um aluno não se torne um profissional de música, ele vai desenvolver antenas pra várias outras estações. E isso tem começo, mas não tem fim. Esse aluno, se bem orientado, vai se tornar um apreciador de música, vai consumir gravações, publicações, assistir a shows e, consciente ou inconscientemente, fazer os links para as outras áreas da vida. Música faz parte da vida.

O que importa agora, em relação a essa lei, é o como isso vai ser feito. O último plano bem estruturado de educação musical na escola no Brasil foi feito por Villa-Lobos na ditadura do Getúlio Vargas. Concordando politicamente ou não com isso, há de se convir que Villa-Lobos agiu com muita inteligência se deixando usar pela ditadura mas, na realidade, usando o poder para implantar seus ideais de educador musical. Não quero com isso dizer que a ditadura Vargas foi boa. Qualquer ditadura é um flagelo. Mas entendo o que Villa-Lobos fez.

E o que ele fez de mais importante foi investir na formação de profissionais (professores) para implantar a educação musical nas escolas brasileiras. Ele criou uma escola no Rio de Janeiro pra onde convergiam professores de todo o país e essas pessoas eram preparadas (e muito bem preparadas) para ensinar. Hoje isso não é mais necessário porque existem cursos de licenciatura em música espalhados pelo Brasil.

Uma outra preocupação é em relação ao conteúdo. O que se vai ensinar nas escolas. Vamos pegar umas latas, pintar e por os meninos pra bater? Vamos ensinar o que eles já sabem (a música amplamente divulgada pela mídia)? Vamos ensinar hinos (na minha época, a aula de música na escola se limitava a isso, praticamente)? Vamos ensinar música religiosa? Música clássica? Música folclórica?... O fato é que qualquer dessas “músicas”, se ensinada com exclusividade não é nada. É enchimento de lingüiça pra cumprir a lei.

Tenho pra mim que uma educação musical de verdade não deve privilegiar gêneros. Deve ser a mais ampla possível. Apesar dessas diferenças, todas as manifestações que citei estão ligadas por um único termo: MÚSICA. Por exemplo, o rap pode servir de ponto de partida para a música erudita brasileira!!! Como? Mostrando que existe uma obra do Osvaldo Lacerda chamada Fuga Proverbial (tem no youtube), que é uma fuga falada em cima do provérbio “Pato e parente só serve pra sujar a casa da gente.” Daí pode-se chegar a outros compositores como Gilberto Mendes. Bossa Nova pode estar ligada a uma das fases de Cláudio Santoro. Isso sem falar no folclore nacional, com todas as suas implicações sócio culturais. Enfim, há muito que se pensar em termos de conteúdo programático.

Resumindo, as coisas mais importantes no meu entender são: a capacitação de profissionais para ensinar música e o cuidado com o conteúdo programático que vai ser abordado e, principalmente, como vai ser abordado.


BLOG - No cenário miracemense, que foi o berço de sua educação musical, o que você destaca que possa favorecer o cumprimento dessa determinação?


SÉRGIO: Pra mim, falar de Miracema nesse aspecto é difícil, porque estou afastado da cidade há um bom tempo. Mas posso dizer que, de modo geral, as bandas de música funcionam muito como um início de educação musical. Grandes músicos de sopro no Brasil se originaram das bandas do interior. Eu mesmo já toquei na Banda da Sociedade Musical XV de Novembro. Aliás, não entendo porque acabou, já que a banda deu origem ao clube que hoje se chama Clube XV (um nome sem nenhum sentido fora do contexto da banda). Mas isso é outra história.

Voltando à educação musical. A banda da Sociedade Musical Sete de Setembro tem prestado um serviço de valor incalculável à educação musical em Miracema. O apoio oficial foi fundamental para isso. Não sei se ainda existe a Escola de Música Noêmia Machado Alves, fundada pela minha mestra D. Maria do Carmo. Mas sei que existe uma filial (não sei se o nome é esse) da Escola de Música Villa-Lobos, do Rio de Janeiro, na cidade. O fato é que tanto a banda, como a Escola Villa-Lobos, como professores excelentes como o Carlinhos Moreira, estão formando músicos. Mas... e educadores? É preciso investir na formação de educadores musicais.

Como disse acima, há escolas de nível superior espalhadas pelo país. Sei que é difícil alguém sair de Miracema pra estudar música fora. Sei que a maioria dos pais faz sacrifícios para manter seus filhos estudando fora. Mas isso é feito pensando em carreiras como medicina, direito e tal. Falo por experiência própria. Meu pai falou que eu poderia estudar música, mas ele não pagaria uma escola particular. Porém, pra tudo há solução. A maioria dos cursos superiores de música está em escolas públicas. Além disso, existem escolas particulares que estão surgindo, até mesmo por causa do mercado aberto pela nova lei. Existe, no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio, um curso modular de licenciatura. Parece-me que as aulas são dadas em módulos que coincidem com o período de férias escolares. Não é o ideal, mas é um começo. Enfim, sabendo procurar, com certeza vai se achar alguma saída pra isso.

Em cidades como Miracema, poderia haver um incentivo oficial para a formação de profissionais ligados a educação musical. Não sei como se faria isso. Talvez em forma de bolsa, premiando os melhores alunos de música da cidade, talvez fornecendo transporte e estadia para as viagens, nos casos de cursos modulares. Enfim, um investimento que resulte na formação de bons profissionais e, portanto, de alunos bem orientados e cidadãos bem formados. Esse seria o lucro do município.

Ainda aqui, estou falando na formação profissional dos professores de música. Talvez até por vício, já que trabalho em uma escola que coloca vários licenciados e bacharéis em música no mercado todos os anos.

Quanto ao conteúdo, acho de fundamental importância olhar pro nosso quintal (como diria Guimarães Rosa). O que se faz de música em Miracema. O que tem de folclore na cidade. O que tem de música popular, etc. Pra daí se chegar ao Brasil e ao resto do mundo.



Sérgio Aversa, mestre em Música Brasileira pela UNIRIO, foi vice-diretor da Escola de Música da UEMG e é professor de Piano e Música de Câmara nesta instituição. Professor da Escola de Música José Acácio Assis Costa em Nova Lima. Freqüentou diversos cursos de extensão aperfeiçoamento, participando também de seminários e mesas redondas. Sua atuação artística reúne apresentações de piano solo e de música de câmara e gravações tendo gravado a trilha sonora da peça “Artorquato” de Antônio Quinet. Agraciado com a Medalha Calmon Barreto pelo Governo do Estado de Minas Gerais por sua atuação acadêmica e artística. Junto com o Flautista Alleton Melo integra o Brasil A2, duo de flauta e piano especializado em música brasileira.


--
Postado no Blog LOGRADOUROS DE MIRACEMA em 6/02/2009 06:15:00 PM

2 comentários:

Adinalzir disse...

Prezada Angeline
Adorei a entrevista. São opiniões como essa que mostram a importância da música como um instrumento da formação humana. E é justamente disso que precisamos. Meus parabéns pelo blog! A partir de agora serei um seu seguidor...
Abraços,

AngelMira disse...

Caro Professor,
Obrigada por sua participação e pelos comentário tecidos a respeito do nosso blog.
Seja muito bem-vindo!

Seguidores VAGALUMES

VAGALUMES LIGADOS

Siga-nos

Siga-nos
É só clicar sobre o twitter

NOVIDADES VAGALUMES por e-mail

Enter your email address:

Delivered by FeedBurner

Movimento dos Internautas Progressistas do Rio

Movimento dos Internautas Progressistas do Rio
#RIOBLOGPROG