Por RUDÁ RICCI
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. E-MAIL: ruda@inet.com.br . SITE: www.cultiva.org.br . Blog: rudaricci.blogspot.com
O MEC (Ministério da Educação) pedirá explicações à Uniban sobre a expulsão da estudante Geisy Arruda, 20, que foi hostilizada por outros alunos ao usar um vestido curto para ir à aula. Uma notícia importante, embora não muito nítida para grande parte da população brasileira. O que não está claro é que se trata da defesa de uma lógica política e social, lastreada no movimento de maio de 1968. Até então, as instituições modernas eram maiores que os homens. Os comportamentos eram definidos por sanções morais, por uma fiscalização permanente. O temor orientava os comportamentos. Durkheim chegou a afirmar, no início do século XX, que o papel da educação seria despertar a “submissão consentida” dos alunos.
Maio de 68 trouxe ao mundo a exigência do respeito à pluralidade. O respeito aos múltiplos costumes. O respeito à sexualidade. O microcosmo das relações sociais ganhou visibilidade e se tornou, pela primeira vez, tema das ciências sociais. Dele nasceram estudos importantes sobre a microfísica do poder, de Foucault. Nasceu o estudo sobre o declínio do homem público, dos espaços públicos e a emergência dos fascismos comunitários. O conceito de movimentos sociais ampliou seu público para além do mundo do trabalho. E os jovens apareceram. Com todo seu vigor e ousadia. Com sua irreverência. Com até certo desdém às tradições. Algo que faz o mundo girar, recriar-se, ter sentido. A criação social é parteira da dinâmica do mundo, que dá vitalidade (ou gera uma declaração de morte) às instituições e valores.
As barricadas de Paris excluíram capitalistas e organizações comunistas. Todos foram “insultados” de burocratas e tradicionalistas.
Costumes e tradições são lugares seguros. É evidente que situações inovadoras geram insegurança porque não existe porto seguro em processos de transição, que deixam para trás regras que são seguidas sem muita reflexão, mas ainda não geram novas regras. Quando não aceitamos a mudança social e a polêmica, nos aproximamos do papel de Cassandra. Porque a tradição conspira contra a mutação da vida.
Costumes e tradições são lugares seguros. É evidente que situações inovadoras geram insegurança porque não existe porto seguro em processos de transição, que deixam para trás regras que são seguidas sem muita reflexão, mas ainda não geram novas regras. Quando não aceitamos a mudança social e a polêmica, nos aproximamos do papel de Cassandra. Porque a tradição conspira contra a mutação da vida.
A Europa é exemplo deste percurso. O Velho Mundo instalou um debate ideológico entre a negação ou aceitação dos ideais de 68. Os ideais dos jovens rebeldes de 68. Significativo porque este divisor de águas é mais revelador do que o debate entre esquerda e direita da Guerra Fria. Afinal, o que seria mais conservador que os costumes e censura de hábitos do mundo soviético? Desde quando podemos falar em revolução social se as relações sociais continuam as mesmas? O que seria mais revelador do conservadorismo que a proibição do pluralismo ou da contestação e inovação?
O caso Geisy denuncia este movimento conservador, retrógrado, que nega a sexualidade do Outro. Revela o temor ou a sexualidade reprimida justamente de um país cujo erotismo é destacado por todo planeta. Tipos de depilação, vestimentas para praia, música e danças insinuantes, nudez em festas populares, gingas, piadas de gosto duvidoso, letras de músicas, tudo parece girar ao redor de um imaginário brasileiro que transpira um povo quente. O vestido curto e vermelho era insinuante como todo povo brasileiro.
Mas somos um país contraditório, em eterna esquizofrenia moral. O mesmo povo do jeitinho é o que sai às ruas para propor o impeachment e cassação por erros morais dos governantes. O mesmo povo que se carnavaliza em micaretas é o que se assusta com saias curtas, escarlates. O mesmo país que estampa em outdoors mulheres semi-nuas (ou nuas) para vender de tudo, incluindo horas de intimidade em motéis, é o que não suporta que o happy hour exista na vida de magistrados.
Que país é este, afinal? Que futuro projetamos para nós mesmos?
O que faz uma universidade privada pensar que suas normas internas são superiores às regras do direito constitucional?
O MEC acerta ao lembrar que uma universidade educa, forma valores. E o respeito à pluralidade é o mais sagrado de qualquer democracia. Os estudantes da UNIBAN necessitam urgentemente de educação. Não sabem lidar com o diferente. São velhos em plena adolescência. Velhos de pensamento. Cínicos, muitos deles. Cinismo que não pode se espraiar pelo mundo acadêmico, crítico por natureza, reflexivo e, portanto, aberto para compreender o novo. Universidade não é lugar para conservadorismos. Seria seu fim, sua antítese.
Pouco importa a motivação de Geisy. O que importa é a motivação de seus colegas, dos dirigentes da Uniban, a motivação que fez do espaço acadêmico um Big Brother, que tudo vê e tudo julga.
Até onde se sabe, o andar e o estilo de Geisy não ofenderam a vida, não agrediram fisicamente. A selvageria e censura que sofreu foram pelo que ela insinuava. Um olhar, um andar, um percurso distinto. E aí entramos no mundo da censura plena. Esta foi a deixa do mcarthismo que apelava pela denúncia sem provas, pela delação pela moral perseguida pelas insinuações.
Não imaginava que o remake do filme A Onda fosse tão oportuno. Imaginava algo fora do lugar com a eleição de Obama. Por qual motivo um filme que tem como roteiro um professor que desenvolve um experimento a partir da reprodução, em sala de aula, dos mecanismos adotados pelo fascismo teria apelo em pleno Século XXI? A UNIBAN e seus alunos responderam minha dúvida. Como no filme, os alunos propagandearam o poder da tradição e ameaçaram a liberdade de uma colega, em sua diferença. A UNIBAN deu sentido ao que Boaventura Santos descreveu como um mundo que se democratiza formalmente em meio à ascensão de uma sociedade fascista.
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