Pescadores artesanais da Vila Zacarias protestam contra construção de resort em área de restinga, após reunião com integrantes da Defensoria Pública
No mais recente episódio da batalha judicial que envolve a instalação do projeto Maraey, na Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou, na quarta-feira (17),o acórdão que confirma o impedimento de licenciamento de qualquer empreendimento no interior e no entorno dessa unidade de conservação estadual. A publicação reafirma que a decisão proferida em 7 de abril segue válida, até que sejam julgados os processos decorrentes de duas Ações Civis Públicas (ACP) em curso. Essas ações foram motivadas pelo movimento ambientalista local que, apoiado pela comunidade científica, se opõe à instalação do megaprojeto imobiliário de capital espanhol, representado no país pelo grupo IDB Brasil.
Ao tomarem conhecimento, na sexta-feira (19), de duas decisões da Corte Especial do STJ, durante reunião presencial com uma equipe da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ), famílias de pescadores artesanais da Vila Zacarias realizaram um ato de protesto contra a instalação do projeto Maraey. Vivendo há mais de 200 anos em área da restinga de Maricá, segundo estudos antropológicos, e devendo ter seu território incorporado pelo empreendimento turístico-residencial de grande porte, essa comunidade tradicional é representada pela DPERJ em Ação Civil Pública movida conjuntamente com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). Essa mobilização foi gerada por uma demanda unificada da Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores Zacarias (ACCAPLEZ) e da Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma).
Para o pesquisador Jorge Antônio Lourenço Pontes, professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Ambiente e Sociedade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a decisão do STJ “foi muito bem acertada e com base na legislação ambiental brasileira que foi esquecida ou tentaram ludibriar publicamente”. Mas ele também ressalta que causou espanto “a posição de um órgão ambiental como o Inea apressando um processo de licenciamento apenas por interesses políticos, pois legalmente não poderia ser, pelo menos com a concepção apresentada pelo grupo luso-espanhol IDB”.
Segundo Pontes, o grupo IDB “até hoje nega a existência de uma nova decisão judicial, afirmando que o licenciamento está mantido e com obras que se iniciarão em breve”. “Até fizeram um ‘pseudo-lançamento’ com participação do prefeito de Maricá, do governador do Estado e do presidente do Inea, ao lado do representante da empresa, mostrando o interesse político no projeto. Basta ver as publicações em redes sociais da empresa Maraey”, acrescenta.
Na opinião do pesquisador, é importante que a sociedade adote uma estratégia similar à utilizada para a proteção da Floresta do Camboatá, na cidade do Rio de Janeiro, que foi transformada em Refúgio de Vida Silvestre, recentemente, após forte articulação social contra a proposta de se construir um autódromo nessa área de grande importância ecológica para a zona oeste da cidade. Além de ampliar a divulgação do tema, Pontes considera que a comunidade científica deve se dedicar à elaboração de “parecer técnico multidisciplinar, pontuando e contrapondo falhas no plano ambiental apresentado pela empresa IDB, para a região da restinga de Maricá”. Nesse contexto, ele entende que seja fundamental, ainda, propor rodadas de diálogo com o MPRJ e o Ministério Público Federal (MPF).
IDB Brasil afirma que não há impedimentos legais para a continuidade do projeto.
Em resposta à solicitação da reportagem de ((o))eco, sobre o posicionamento do grupo em relação às últimas decisões judiciais divulgadas, a empresa responsável pelo projeto turístico-residencial em Maricá enviou o seguinte comunicado, na sexta-feira (19), por intermédio de sua assessoria de imprensa.
“A IDB Brasil, responsável pelo projeto MARAEY, reitera de modo enfático que, após julgamento favorável no Tribunal de Justiça do Estado do Rio no mês de agosto, não há, atualmente, qualquer decisão da Justiça, entre as quais os acórdãos publicados nesta semana, no sentido de impedir a continuidade do empreendimento. A empresa cumpre rigorosamente todos os ritos legais desde o início do processo de licenciamento do projeto, há mais de 10 anos, e jamais atuaria em descumprimento a qualquer decisão judicial vigente”.
Segundo afirmado no comunicado, “a IDB Brasil segue, portanto, trabalhando no desenvolvimento do mais importante complexo turístico-residencial sustentável do país, que terá, entre outros ativos, ocupação predial de apenas 6,6%, a segunda maior reserva particular de restinga do Estado e um centro de pesquisas para estudar ecossistemas locais.” Foi destacado, ainda, “apoio integral à comunidade de Zacarias, com entrega de título de propriedade aos moradores, infraestrutura e apoio à pesca artesanal, entre outros benefícios.”
Defensora pública pede reunião com o Inea para esclarecer impedimentos legais
Em entrevista a ((o))eco, após visita à comunidade Zacarias, a defensora pública, Mariana Pauzeiro, informou que solicitou reunião, nesta terça-feira (23), com a diretoria do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Segundo adiantou, a proposta é de dialogar e esclarecer eventuais dúvidas sobre os impedimentos legais que envolvem o trâmite de licenciamento ambiental de qualquer empreendimento na APA de Maricá, até que haja julgamento do mérito de ações judiciais referentes ao projeto imobiliário Maraey.
Além de seguir acompanhando as decisões judiciais decorrentes da Ação Civil Pública, os próximos passos da atuação da DPERJ envolvem mobilizar a sociedade para privilegiar a população tradicional da Vila Zacarias, proteger a cultura, a pesca artesanal e a qualidade de vida no município. “Precisamos fortalecer a comunidade Zacarias e mostrar para a população, em geral, que esse povo merece a nossa proteção. Maricá quer crescer respeitando seus povos tradicionais e a natureza”, observa.
Para a defensora pública, há muita desinformação relacionada às promessas de regularização fundiária divulgadas pelo grupo IDB Brasil. Segundo ela, “estão vendendo ilusões” para tentar conquistar a adesão de alguns moradores. Em seguida, questiona: “Regularização fundiária para quê, se eles já sabem que são proprietários e que estão ali por direito adquirido ao longo de gerações”.
Reunião da equipe da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro com famílias de pescadores artesanais, na Vila Zacarias, na sexta-feira (19). Foto: Mariana Pauzeiro/acervo pessoal.
A defensora esclarece que a maioria da população local não está a favor do empreendimento, por temer alterações nas dinâmicas ecológicas e, por conseguinte, nos seus modos de vida que dependem diretamente do equilíbrio ambiental da restinga, de onde é retirado o sustento das famílias, a partir da pesca. Ela ressalta que a ACCAPLEZ é a organização que representa realmente a comunidade pesqueira local e que tem forte envolvimento com a proteção da natureza na restinga de Maricá. Não por acaso, é parte proponente, juntamente com a Apalma, da ACP que defende direitos coletivos.
Quanto à Associação de Moradores e Pescadores de Zacarias (Amorpez), que se manifesta publicamente a favor da instalação do resort, a defensora ressalta que essa organização estaria “sendo patrocinada pelo IDB”, embora nem tenha endereço na Vila Zacarias e, sim, no centro de Maricá. “Essa associação não representa a comunidade local. Tem gente que foi reunida para fazer volume”, conclui.
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Do jornal O Eco.
Numa analise cuidadosa tem muita semelhança com o caso do aterro sanitário regional privado em Miracema. Ou não?
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