Brizola foi talvez o maior líder político que este país já teve. Colocou a defesa das questões nacionais e populares acima de seus interesses particulares, como prova o episódio da Legalidade quando pôs a sua vida em risco para desbaratar o golpe de Estado articulado em 1961.
Percebendo que a trama golpista era complexa e articulava setores militares aliados ao imperialismo com a burguesia dependente e o liberalismo político de fachada propôs a dissolução do Parlamento e substituição por uma Assembleia Constituinte Popular.
Brizola percebeu que o grande obstáculo ao desenvolvimento do Brasil e a afirmação do nosso povo estava na vinculação de nossa burguesia aos interesses do grande capital internacional, o que impunha imensas restrições aos padrões de vida e horizonte civilizatório dos trabalhadores, condenando-os à pobreza, à barbárie, à superexploração e à repressão policial e paramilitar e privada genocida.
Priorizou as crianças e a educação pública como um dos pilares da futuridade de nosso povo. Denunciou amplamente o racismo contra negros e indígenas, sem deixar de perceber a composição miscigenada de grandes massas e jamais priorizar políticas específicas de combate à pobreza sobre as políticas universalistas.
Defendeu as reformas de base, a política externa soberana, o apoio à revolução cubana, o papel central do Estado na promoção de um modelo de desenvolvimento socialista e democrático, caminho que não poderia prescindir jamais do acúmulo das lutas trabalhistas.
Sofreu perseguição implacável da ditadura militar que lhe negou a legenda do PTB, da Globo que não aceitava seu projeto nacional-popular e do liberalismo de esquerda que manejou o conceito de populismo para lançar os primeiros elementos de um identitarismo vulgar e oportunista, que nega o papel da política na construção da Revolução socialista ou democrática que o Brasil merece ter.
A redução da posição politica à condição social imediata, que impede estabelecer as diferenças entre os níveis de consciência de classe, operada pela sociologia liberal iuspiana e iuperjiana, negava o papel da vanguarda política e dos intelectuais, confiando supostamente ao obreirismo, ao ativismo de base dos movimentos sociais e ao institucionalismo a condução das transformações de que o Brasil necessitava.
Colapso do populismo, transição ao Ocidente tardio, ocultação das lutas de classe pelo lutas nacionais foi a retórica da modernidade liberal que comandou a sociologia e a ciência política da Nova República, largamente financiada com recursos de fundações norte-americanas, em boa parte fora das grandes universidades. Autores como Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos, Vania Bambirra, Muniz Bandeira e o próprio Florestan Fernandes que desafiaram esta estruturação foram relegados ao mais absoluto ostracismo.
Brizola ora era apresentado como um líder obsoleto, ora como traidor das causas populares por não ser um operário, ora como anti-institucional por ser supostamente um caudilho anti-democratico.
Passados quase 20 anos de sua morte, seu legado está de pé e vivo. Mesmo não sendo um operário metalúrgico não aceitou transigir com o neoliberalismo, colocou a luta contra o golpe de Estado acima da defesa de sua vida, assumindo um grau de radicalidade na defesa dos interesses de nosso povo jamais visto em um político de sua estatura. De outro lado, nossa suposta transição a uma democracia moderna revelou em 2016 e 2018 todos os limites de um Estado que não realizou uma justiça de transição, não ousou avançar na reforma agrária e nem democratizar os meios de comunicação, para mencionar algumas das mazelas históricas que violam profundamente nosso sistema político, que de nenhuma forma, depois da legislação imposta desde 2016, ouso chamar de democracia.
Se o legado de Brizola está vivo, nos falta ainda, entretanto, seu intérprete. E este é o grande desafio nacional. Conseguiremos encarná-lo? Ou o deixaremos ainda nas prateleiras da história por dezenas de anos ou mais?
Não será a modernização pelo alto ou um novo pacto de setores progressistas com nossas velhas, decadentes e ainda poderosas elites que nos tirarão do abismo onde continuamos a cair. Não foi este o caminho escolhido por Brizola, que derrotado na história, espera sua ressurreição.
Quem de nós terá a capacidade de lhe dar continuidade?
Por Carlos Eduardo Martins, cientista político, professor da UFRJ.
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