Empresa fundada por docente colaborador e hospedada no Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, NeuralMind, vence edital do TCU para desenvolver software assistente de processos judiciais
TEXTO: ANA PAULA PALAZI
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL – ROBERTO LOTUFO
EDIÇÃO DE IMAGEM: RENAN BARRETO
A NeuralMind fornece soluções em Inteligência Artificial com foco na automação de operações, compliance e detecção de fraudes. Instalada no Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, a empresa recebeu uma importante encomenda tecnológica da Corte das Contas. O consórcio formado pela NeuralMind, que nasceu na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Terranova, consultoria estatística com foco em jurimetria, foi escolhido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para fornecer uma solução tecnológica inovadora, capaz de transformar o modo de fiscalização do dinheiro público.
A utilização de Inteligência Artificial no apoio a decisões judiciais é uma realidade em vários tribunais ao redor do mundo. No Brasil, o TCU já utiliza o Sistema Alice (Sistema de Análise de Licitações e Editais), que auxilia a fiscalização sobre compras e, só em 2021, evitou mais de R$ 504 milhões em danos aos cofres públicos.
A nova solução em software irá apoiar outra parte do trabalho do TCU: a instrução (fase de avaliação dos indícios) de 2 mil novos processos de representações e denúncias, grande parte relacionada a contas públicas, que chegam ao Tribunal por ano. O volume destes processos corresponde a mais de 40% em relação ao total apreciado pela corte, e continua a crescer, segundo o TCU. “A escolha da TCU mostra que a NeuralMind apresenta diferencial em suas soluções e está preparada para mitigar os riscos de um projeto como este. Nos sentimos honrados de participar dessa iniciativa inovadora com um órgão tão importante para a sociedade brasileira”, diz Roberto Lotufo, docente colaborador da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp e cofundador da NeuralMind.
Encomenda tecnológica para empresa do ecossistema Unicamp
A rota tecnológica escolhida pelo TCU propõe um único megamodelo de linguagem generalista a ser usado para a resolução de várias tarefas. O produto encomendado – que ainda não existe comercialmente – extrapola o atual estado da arte em softwares de análise de processos judiciais e redação de pareceres.
Nessa modalidade especial de contratação pública, prevista na Lei de Inovação, o trabalho em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da startup é remunerado, mesmo se não resultar num produto viável, porque “não se pode prever se a solução tecnológica solicitada é possível ou se alcançará o desempenho mínimo desejado”, cita o parecer do TCU. É o chamado risco tecnológico associado à inovação.
O projeto é considerado audacioso. Entre as funcionalidades esperadas do software, está a detecção de significados nos processos cadastrados. A máquina será capaz de identificar, por exemplo, as irregularidades alegadas nas petições iniciais. Numa segunda fase, o modelo deverá prever a classificação dos elementos processuais, como os critérios de admissibilidade, para medidas cautelares, precedentes, entre outras, criando um painel quantitativo de jurimetria automático.
No fim, deverá estar apto a gerar textos, como a sumarização de longas peças e a elaboração de resposta para comunicações do Tribunal, que expressem interpretação lógica e juridicamente cabível. “O objetivo não é substituir o ser humano, mas agilizar o trabalho nos tribunais. Com isso, esperamos aumentar a produtividade humana, deixando as atividades mais exaustivas e repetitivas para o computador”, explica Lotufo.
Um dos desafios da tecnologia é justamente a confiança nas soluções apresentadas pelo algoritmo. “Para garantir que a máquina fez conexões lógicas, pedimos que explique o motivo das escolhas. Quanto mais embasada a argumentação, maior a confiabilidade”. A comissão de seleção do TCU ressaltou que a solução, quando pronta, além de “menos custosa”, poderá ser adaptada para outros cenários e compartilhada com outros órgãos públicos, como os Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios.
Projeto INA2 será desenvolvido dentro da Unicamp
O projeto INA2 – INstrução Assistida por INteligência Artificial –, do consórcio formado por NeuralMind e Terranova Consultoria, foi escolhido entre 18 projetos apresentados por empresas e Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) nacionais. A sólida experiência de Roberto Lotufo e do sócio Rodrigo Nogueira, ambos professores colaboradores da Unicamp em técnicas avançadas de Inteligência Artificial, foi importante para orientar a arquitetura a ser empregada na solução. “Estamos instalados dentro do Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, o que proporciona uma aproximação forte com a Universidade, seus pesquisadores e alunos, e permite seguir como uma startup deeptech, ou seja, baseada na pesquisa e desenvolvimento de produtos, lançando inovações com modelos de vanguarda”, explica Lotufo.
O sistema será baseado em Few-Shot Learning, uma forma de aprendizado de máquina que requer menos dados. A diferença está no treinamento. No modelo clássico, para cada tarefa, o computador precisa ser sintonizado com um banco específico de documentos, e anotado manualmente, neste caso, por advogados. O modelo proposto é único para todas as tarefas. Com centenas de bilhões de parâmetros, ele é “pré-treinado” em bilhões de documentos, conseguindo prever sentenças e produzir textos semelhantes aos escritos por seres humanos. Aquele futuro utópico dos filmes, em que os robôs leem livros na biblioteca, virou realidade, comenta Lotufo.
Esse tipo de aprendizado é uma aposta de grandes players do mercado, como Google, Facebook, Microsoft e OpenAI, na busca por modelos mais precisos e que demandem menos recursos. Em 2020, a NeuralMind produziu a versão brasileira do BERT, rede neural de linguagem natural em código aberto da Google, chamada de BERTimbau.
A expectativa agora é também especializar o GPT-3 na língua portuguesa, popularizando a estratégia entre os brasileiros, considerada a Inteligência Artificial mais poderosa já criada. “Desde o final de 2021, estamos trabalhando com os megamodelos estilo GPT-3, da OpenAI. Essa encomenda do TCU permitirá a aplicação e exploração desse conhecimento acumulado”, finaliza o CTO da NeuralMind.
Ecossistema da Unicamp - Essa reportagem compõe a série de textos produzidos pela Inova sobre empresas do ecossistema da Unicamp. São consideradas empresas-filhas da Unicamp os empreendimentos fundados por pessoas que têm ou tiveram vínculo com a Universidade, tais como alunos, ex-alunos, docentes e funcionários ou ex-funcionários. Além de empresas que foram incubadas na Incamp ou criadas a partir de uma tecnologia desenvolvida na Universidade, há as chamadas empresas spin-off. Saiba que tipos de empresas podem integrar esse ecossistema e como se cadastrar na página de Vivência Empreendedora.
Esse texto foi publicado originalmente no portal da Inova Unicamp.
Informação do Jornal da Unicamp
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