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terça-feira, 14 de março de 2023

ITAOCARA: VOCÊ SABE QUEM FOI PATÁPIO SILVA - O FLAUTISTA ITAOCARENSE?


Segundo Carmem Silva, no site Mascolo Flute Center & Estudantes de Flauta,  o flautista Pattápio Silva nasceu na Vila de Itaocara, estado do Rio de Janeiro, no dia 22 de outubro de 1880. Menino mulato, filho do barbeiro Bruno José da Silva e Amélia Medina da Silva. O local exato de seu nascimento não foi comprovado. Pode ter ocorrido na fazenda Água Limpa, zona rural de Itaocara, dentro do município, à atual rua Patápio Silva, ou ainda na rua Presidente Sodré. Sua mãe tinha apenas treze anos quando Pattápio nasceu, e deste casamento, além de Pattápio, nasceram mais dois irmãos: Paladina e Peridiano..."

O casamento de Bruno José [imigrante português] e Amélia Medina [filha de escravos alforriados] durou provavelmente até 1886. Pattápio a partir de então passou a morar em Cataguases, junto com seu pai e sua irmã Paladina

Sua mãe permaneceu em Itaocara, vindo a se casar novamente por volta de 1895. Deste segundo casamento nasceram os irmãos Cícero e Lafaiete, violinistas, João Batista, flautista e ganhador da medalha de ouro do Instituto Nacional de Música, e um dos fundadores da Orquestra Sinfônica Brasileira, além de Odilon, Urtinê, Antonieta e Maria da Conceição.

Todos tiveram instrução musical, e sua mãe era chamada de “ventre musical”. Os netos de Dona Amélia também foram músicos, destacando-se entre eles Ubirajara, flautista que tocou na Banda da Escola Militar (RJ), Arumã e Adna, cantoras.

Pattápio passou a infância em Cataguases, onde aprendeu a profissão do pai, barbeiro, residindo no mesmo prédio da barbearia localizada na Rua Cel. João Duarte.

Ainda menino, quando rareavam os fregueses da barbearia, ele tocava em uma flauta de folha de flandres (material metálico geralmente usado na construção civil para fazer calhas), que ele adquiriu de negociantes turcos moradores de Cataguases.

Mesmo com aquele instrumento simples, sem recursos, Pattápio conseguia chamar a atenção dos transeuntes que paravam para ouvi-lo. Essas flautinhas de brinquedo eram muito comuns no final do século XIX e início do XX

."De um modo geral, sabe-se que a barbearia, no final do século XIX, tinha um importante papel social, pois era um dos locais de encontro de intelectuais e políticos, onde os artistas trocavam idéias e divulgavam suas criações...”

Aos 12 anos, Pattápio, já com uma flauta de madeira de oito buracos.

Com 15 anos incompletos, Pattápio deixa Cataguases e percorre várias cidades,atuando em bandas. Sua primeira participação foi na Banda Aurora Cataguasense do maestro Leopoldo.

Pattápio tornou-se muito conhecido por atuar em bandas da região nas cidades de São Fidelis, Miracema, Campos e Pádua. Estas cidades não por acaso estão no percurso da Estrada de Ferro Leopoldina, amplamente utilizado por ele.

Em 1896, foi morar em Cataguases o maestro de banda Francisco Lucas Duchesne e Pattápio passou a seguir seus passos pelo interior mineiro e fluminense. Todos os depoimentos a respeito de Lucas Duchesne são unânimes quanto à grande influência que este exerceu sobre Pattápio.

Em 1899, durante os festejos da Semana Santa, Pattápio foi convidado por seu antigo mestre João Batista de Assis a tocar em uma festa na cidade de Palma (MG). Interpretou partituras sacras do Padre José Maurício Nunes Garcia. O grande desempenho de Pattápio neste evento faz com que um senhor (não há registros do nome dessa pessoa), vindo do Rio de Janeiro, entusiasmado pelo espetáculo que acabara de assistir, insista em levá-lo para a capital carioca. Para chegar ao Rio de Janeiro um chefe de trem seu conhecido permitiu que ele viajasse no vagão de bagagens, pois não tinha dinheiro nem para a viagem. Chegando lá, foi tipógrafo na Imprensa Nacional, estudou francês, pois naquele contexto da belle époque carioca era chique, também canto e harmonia. Depois de algum tempo trabalhou como impressor na Casa da Moeda, além de ter exercido o ofício herdado do pai, barbeiro, na rua Machado Coelho. Foi nesta época que teve contato com o professor do Instituto Nacional de Música, Paulo Augusto Duque Estrada Meyer. O encontro entre Duque Estrada e Pattápio foi descrito por seu irmão Cícero Menezes:

O professor recebeu-o bem e convidou-o a tocar. Ao desembrulhar as folhas de jornais que serviam de caixa para a flauta de madeira, o grande mestre não deixou de rir-se a valer, pelo impagável instrumento que Pattápio trazia. Uma flauta de madeira de fabricação antiga e grosseira. Antes de Patápio começar a tocar naquela flauta sem recursos, o mestre fez-lhe várias perguntas, rindo-se bastante da situação que se lhe apresentava interessantíssima.

Pattápio foi convidado para ir a sua casa diariamente tomar lições, antes mesmo de ser matriculado no Instituto Nacional de Música. Duque Estrada conseguiu para ele uma boa flauta e em poucos dias já estava totalmente adaptado ao novo instrumento.

Nesta época ele morava na Rua Morais e Vale, no bairro da Lapa. Em 15 dias reparou-se para executar os estudos do terceiro ano e fez o exame de admissão.

início do século XX, jovens oriundos de famílias abastadas do Rio de Janeiro disputavam cada vaga do Instituto Nacional de Música. Dominar um instrumento era uma habilidade valorizada pela sociedade da época e Pattápio Silva revelou-se uma surpresa ao se apresentar na requintada escola, pois era um mulato mal vestido de apenas 19 anos. No entanto, pouco tempo depois, as expressões passariam a ser de espanto diante do seu desempenho na flauta. Matrícula n° 510, em 15 de março de 1901, para o terceiro ano: a matrícula foi paga pelo porteiro do Instituto Nacional de Música que ficou penalizado com a situação financeira de Pattápio, de acordo com depoimento de Luiz Amábile, seu amigo. Cursou de início solfejo e canto coral com Frederico Nascimento; aliás Pattápio era barítono, e flauta com Duque Estrada Meyer. No ano de 1902, além destas disciplinas estuda também teclado e harmonia. São deste período as gravações da Casa Edison e o recital no Instituto Nacional de Música.

Não foi fácil para ele conviver com seus colegas, que se viam ameaçados e enciumados: “...no máximo substituía os colegas, que só lhe davam trabalho quando não havia meios de arranjar outro flautista.

Ele cumpriu o programa de seis anos em apenas três, formando-se em dezembro de 1903. Seu irmão relata: “aprovado com distinção, com louvor. Primeiro prêmio, medalha de ouro, por unanimidade de votos, grau 15, em 13 de janeiro de 1904. Tinha portanto o primeiro dos primeiros prêmios”.

Logo depois, houve um concurso para flautistas cujo primeiro prêmio era uma flauta de prata da marca francesa Louis Lot, doada em 1891 pela senhora Samico, esposa de um conceituado médico. Dos colegas de Pattápio, apenas Pedro de Assis teve a coragem de concorrer com ele. Pattápio venceu a prova. O desfecho desta história é digno de relato. O caso é que no dia da entrega do prêmio para Pattápio na presença de várias autoridades como o ministro da justiça, Henrique Oswald, então diretor do Instituto Nacional de Música, ao abrir o cofre, constata que a flauta desaparecera. Houve instalação de inquérito pelo Ministério do Interior, além de grande movimentação na imprensa quanto ao fato do ganhador ser mulato, pobre, e não ser figura da elite carioca. A própria competência do Instituto Nacional de Música passou a ser questionada por conta do escândalo. No dia 4 de julho de 1904, a flauta foi encontrada enrolada em jornais num armário da secretaria que já havia sido revirado várias vezes. O enigma permaneceu e deu muita promoção para Pattápio.

Nesta época, veio ao Rio de Janeiro uma companhia de ópera muito boa, que precisava de uma segunda flauta. Pattápio disse que faria o serviço, desde que ganhasse tanto quanto a primeira flauta e queria receber também pelo ensaio. O maestro da companhia achou sua atitude de grande arrogância, e quando chegou o momento da récita de Lucia di Lammermoor de Gaetano Donizetti, ópera bastante conhecida pela cadência que a flauta realiza junto com a cantora principal, Pattápio soube que deveria fazer a parte de primeira flauta, e sem ensaio. Não se abalou, e ao final da récita foi ovacionado. Esclareceu depois ao maestro da companhia que na verdade sua atitude não era de arrogância, mas sim que não queria fazer parte da orquestra. Quando foi chamado para o serviço já havia comprado ingresso para assistir à ópera, e o preço do ingresso era mais caro que a paga pelo serviço. Sabendo disso, o empresário da companhia fez questão de ressarcir o prejuízo de Pattápio.

Outro episódio interessante aconteceu quando Pattápio foi convidado para fazer parte de uma orquestra do Clube dos Diários em Petrópolis. Combinou com seu amigo Carmo Marsicano que durante a cadência para flauta que a música possuía, ele deveria colocar um relógio na estante e por três minutos Pattápio a desenvolveria da forma mais mirabolante possível, até o desfecho para a entrada da orquestra. Assim foi, e como não podia deixar de ser, foi aclamado novamente. O poderoso Barão do Rio Branco levantou se de sua poltrona e veio cumprimentar o grande desempenho do flautista, dizendo:

“Eu queria dar-lhe uma lembrança por este grande acontecimento, porém gostava de saber o que é que gosta mais de ter”.

Pattápio respondeu: “Gostava de possuir um Chapéu Chile mais ou menos igual ao que V. Excia. tem“. No dia seguinte Pattápio ostentava um belo chapéu Chile, no valor de 500$000, presente do grande brasileiro.

Neste mesmo ano de 1904, Pattápio resolve viajar com a intenção de tornar-se conhecido em outras cidades e capitais.

Sempre que entrava em um salão, a reação era a mesma: “Como podia, um mulato!”. Mesmo assim, ele sempre entrava confiante. Minutos depois do início da apresentação, tornava-se o centro das atenções e as desconfianças desapareciam.

Parte para São Paulo como integrante de uma companhia de operetas levando uma carta de recomendação, provavelmente de seu professor Duque Estrada Meyer, para um professor influente da capital paulistana, que não lhe deu a devida atenção. Pattápio não se abateu, insistiu muito e finalmente conseguiu seu primeiro recital em São Paulo, sucesso de público e crítica. O tal professor vendo o desempenho maravilhoso de Pattápio, quis programar uma segunda récita, agora sob sua orientação, mas desta vez Pattápio agradeceu e dispensou sua ajuda.

No dia 11 de junho de 1905, Pattápio apresenta-se em São Paulo no Salão Steinway, às oito e meia da noite. As críticas referentes a esse concerto foram publicadas no Correio Paulistano, na sessão Platéas e Salões do dia 12 de junho de 1905.

"Esteve muito concorrido o segundo concerto do festejado flautista Pattápio Silva, hontem no Salão Steinway. O auditório aplaudiu sem reservas todos os números do programa....Pattápio teve ainda uma vez ocasião de verificar, pelo elevado número de diletantes que viu no seu concerto e pelos vibrantes e prolongados aplausos que lhe dispensaram, quanto é devidamente reconhecido nesta capital o seu subido mérito como flautista exímio que é."

No programa constava a sonata de Terschak op. 168 para flauta e piano; de A. Fr. Doppler, a Fantasia Pastorale Hongroise op.26; de Ferd. Büchner, o Noturne op.20; de

Francisco Braga, Air de Balle, e de Camile Sait-Saëns, a obra Le Deluge op. 45.

É possível que todo sucesso alcançado na capital paulistana tenham influenciado para que Pattápio resolvesse fixar residência em São Paulo, no início de 1906.

Passa a lecionar na Casa Bevilacqua localizada na Rua São Bento, de acordo com publicação do Correio Paulistano, de 9 de fevereiro de 1906.

Apesar de ser reconhecido como o excelente músico que era, Pattápio, além das aulas particulares, tocava em operetas para sobreviver. Quando Pattápio faleceu, foi encontrada entre seus pertences uma carta que descrevia a reação das pessoas ao se depararem com aquele jovem mulato e simples. O autor desta carta é desconhecido,

"É meia noite ; venho do Steinway, onde o Pattápio acaba de receber uma sagração .

Escrevo-lhe para não perder no sono a agradabilíssima impressão do concerto. É um monstro! Não causa só admiração, causa assombro....a “Paulista branca”, descendente do bandeirante que lhe herdou a destruição do índio o ódio e a raça de Patrocínio

....esqueceu a magna questão da cor, e aplaudiu delirantemente, freneticamente o Pattápio... Grande coisa é a arte...chega a arrancar pela raiz preconceito secular! Não tenho maior objeto para admirar."

O "Salão Steinway" foi uma sala de concertos nas dependências do Joachim’s Hotel, localizado na Avenida São João, nº 61. Era uma das melhores salas de concertos do fim do século XIX e início do século XX em São Paulo.

Este salão de concertos do Joaquim’s Hotel gozou de tamanho prestígio na época que, em 1909, por contar com este já tradicional local de concertos, foi vendido para abrigar o Conservatório Dramático Musical de São Paulo. O público para entrar no salão tinha que passar pelo saguão e pelo restaurante do hotel.

Esse salão era muito procurado por artistas nacionais e estrangeiros de passagem por nossa capital, pois contava com um piano de cauda Steinway, razão pela qual os recitais eram realizados neste local e que deu nome ao salão. Após a venda, ao Cosrvatorio Dramático e Musical, passou a ter uma entrada à direta, e cumpriu a função de sala e concertos até 1975.

Continua a exercer essa função agora como Auditório da Praça das Artes.

Em visita ao Rio de Janeiro, Pattápio é convidado em novembro de 1906 pelo presidente da República, Dr. Afonso Pena, para uma audição no Palácio do Catete,sendo acompanhado ao piano por uma de suas filhas. Os jornais aclamaram Pattápio no dia seguinte. Pattápio decide finalmente excursionar pelo interior de São Paulo e Sul do país para conseguir dinheiro e finalmente realizar o sonho de ir à Europa. No dia 14 de março de 1907, inicia sua derradeira excursão pela região sul do país, com a intenção de levantar fundos para viajar à Europa. Partindo de São Paulo, realizou concertos na cidade de Guaratinguetá e rumou para Curitiba, chegando lá no dia 18 de março.

O primeiro realizou-se no Teatro Guaíra no dia 22 de março de 1907, com toda pompa. Houve até a presença da Banda de Música Militar tocando nos intervalos da récita.

O segundo concerto realizou-se no Teatro Hauer, no dia 24 de março de 1907, com menos requinte que o anterior, mas sem perder o esplendor. Ao tomar conhecimento da grande colônia de alemães residentes em Curitiba, resolveu atender a esse público, realizando um concerto extra no dia 30 do mesmo mês e ano, novamente no Teatro Guairá.

Pattápio chegou em Florianópolis no dia 12 de abril de 1907. Hospedou-se no Hotel do Comércio, hoje Mário Hotel. Lá Pattápio chegou a ensaiar com o maestro Álvaro Souza.

O concerto deveria se realizar no dia 18 do mesmo mês, no Clube Doze de Agosto, fato amplamente noticiado pelos jornais, e contaria com a presença de músicos da cidade, como era habitual.

No próprio dia 18, quando deveria acontecer o concerto, os jornais noticiam seu adiamento, pois Pattápio apresentava febre alta. No dia seguinte, apresenta melhoras, mas os médicos resolvem adiar o concerto para o dia 21, dia este em que ocorre um agravamento substancial do estado de saúde de Pattápio. A imprensa notifica que o recital deverá ser remarcado, não havendo previsões de data. No dia 24 de abril de 1907, às 2 horas da madrugada, Pattápio sucumbe à misteriosa doença, que até aquele momento não havia sido diagnosticada convenientemente. Na certidão de óbito firmada pelo Dr. Bulcão Viana, Pattápio faleceu em conseqüência de “gripe adinâmica”.

(Pelos sintomas, hoje julga se tratar de difteria)

Foi enterrado no mesmo dia no Cemitério do Morro do Estreito, próximo à ponte Hercílio Luz, na ilha. Sepultura nº 22.964, do livro 28, do arquivo da administração do cemitério São Francisco de Assis. O Hotel do Comércio onde estava hospedado ofereceu seu salão para o velório. Estiveram presentes nomes ligados à música e à sociedade de Florianópolis. A Banda do Corpo de Segurança tocou marchas fúnebres.

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