Os conjuntos arquitetônicos protegidos por tombamentos no Brasil refletem em seus detalhes e características, períodos históricos e realidades as mais diversas. Porém, tem em comum o fato de, em geral oferecerem ambientes acolhedores, dentro do contexto em que cada um deles se encontra. Isso se dá porque desde a adoção, dentro da legislação brasileira do instituto do Tombamento de bens imóveis (Decreto lei 25, de 1937), veio também o reconhecimento do conceito de ambiência (o entorno), ou seja, o de garantir a esses conjuntos arquitetônicos ou bens, uma boa paisagem circundante.
Assim, o tombamento de imóveis pressupõe melhor tratamento paisagístico desses locais, trazendo efeitos positivos à qualidade de vida local e aos setores comercial e turístico. Para sua concretização, são estabelecidos perímetros de tutela de ambiência e outros recursos, visando a valorização das características do lugar e das visadas importantes dos monumentos preservados. Na proximidade de bens tombados, por exemplo, não se emprega poluição visual (publicidade ostensiva) e as novas construções precisam obedecer limites de altura máxima. Ao inibir edifícios altos, essas regras também protegem as estruturas das construções antigas e evitam sobrecarregar os sistemas de drenagem pluvial, esgoto e oferta de energia, e garantem a fluidez do trânsito local das regiões tombadas.
São conceitos e práticas raros à realidade brasileira, sobretudo dos municípios pequenos. Esses locais nem sempre se encontram adaptados aos desafios contemporâneos de seus cidadãos, como gerar oportunidades de educação, emprego e empreendedorismo frente à evolução das tecnologias atuais. Assim, a tutela da paisagem urbana e rural tem sido gradualmente negligenciada pelas administrações municipais frente a problemas de ordem imediata. A qualidade dos serviços públicos vem caindo, e o cargo de fiscal de Posturas Municipais, outrora respeitado, na atualidade tem caráter simbólico, na maior parte dos contextos onde ainda persiste.
Prova disso, em Miracema, foram os recentes episódios de desrespeito à legislação municipal de posturas, como a que proíbe a soltura de fogos de artifício, com estampidos, que foi desobedecido por agremiação carnavalesca durante sua apresentação. Também se registra ocorrência cada vez mais frequente de depósitos clandestinos de lixo e entulho nos bairros, ocupações indevidas de áreas públicas, agressões à arborização urbana, e outras transgressões. A esses fatores, se somam a má qualidade das redes de distribuição elétrica, construções particulares abandonadas ou inacabadas há décadas e instalações mal adaptadas de ar condicionado, caixas dágua, etc... Nesse contexto, o tombamento estadual de Miracema impõe a tutela da paisagem da região onde se concentram os tombamentos, o que significa exercer fiscalização sobre todos esses fatores, restringindo os que possam alterar negativamente essa ambiência. É uma atividade nem sempre compreendida ou apoiada pela população que deveria ser a beneficiada destas posturas.
Nesse sentido, é fundamental que o poder público ofereça incentivos, como isenções fiscais, linhas de crédito e assessoria técnica para recuperação dos patrimônios tombados, mas também de toda a região de entorno que também é afetada pela legislação de proteção. Sendo abordadas em sua amplitude, as questões trazidas pela preservação podem criar alternativas para o comercio local, o desenvolvimento turístico, a melhoria gradual dos serviços públicos, e a modernização das instalações da região como um todo.
Texto de Marcelo Salim de Martino, no Jornal Liberdade de Expressão, mar/2025, ed. 292, coluna "Lâmpada de Memória".
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