Foto: Estação Ferroviária de Natividade-RJ - frente. Sacada em 22-out-2011. Fonte: MPMemória |
É sabido que a rede ferroviária brasileira foi formada a partir de concessões, em geral, sem planejamento, demandas por interessados em levar o trem de ferro até os seus domínios.
Assim a via férrea foi se interiorizando aos trechos, segundo condições técnicas, preferencialmente de menor e mais rápido investimento possível, as chamadas ferrovias econômicas. Predominaram concessões provinciais com características técnicas, inclusive bitolas estreitas, diversas.
O engenheiro Antônio Paulo de Melo Barreto obteve através da Lei no. 1.826, de 10/10/1871, da Província de Minas Gerais, para a companhia que organizava-se, o privilégio por 50 anos para construção, uso e gozo de uma estrada de ferro econômica na bitola métrica entre Porto Novo do Cunha, onde a E. F. D. Pedro II, na república E. F Central do Brasil, chegara do Rio de Janeiro, nos idos de 1867, e Santa Rita de Meia Pataca, hoje Cataguases, com um ramal para a Cidade de Leopoldina (Feijão Cru, São Sebastião do Feijão Cru, São Sebastião de Lepoldina), "com subvenção quilométrica de Cr$ 9.000,00, ou a grantia do juro de 7% sobre o capital não excedente a Cr$ 2.400.000,00." "Organizou a CEFL - Companha Estrada de Ferro Leopoldina. Com aquisição de outras concessões, serpenteando a divisa com o Estado do Rio de Janeiro, acabou chegando a Santa Luzia do Carangola em 1887, passando por Santo Antônio do Carangola, atual Porciúncula, nos idos de 1886.
Francisco Portela, Mariano Alves de Vasconcelos, Manoel Rodrigues Peixoto e Chrysantho Leite Miranda Sá obtiveram por lei de 12/04/1872 da Província do Rio de Janeiro a concessão de ferrovia de Campos dos Goytacazes aos Tombos do Carangola (cachoeira na divisa MG/RJ) na bitola métrica passando pelos vales dos rios Muriaé e Carangola, "com privilégio por 90 anos e garantia de juros de 7%, sobre o capital de Cr$ 5.000.000,00, por 20 anos, ao que constituíram a Companhia da Estrada de Ferro Carangola com ramais para Patrocínio, na fronteira com Minas Gerais, e Limeira de Itabapoana, na divisa com o Espírito Santo.
O lançamento da pedra fundamental se deu em 16/04/1875, com o Imperador D. Pedro II em Campos dos Goytacazes de onde foi implantada, conforme os interesses da família Cardoso Moreira. Em Cachoeira, atual Cardoso Moreira, chegou em 04/12/1878, onde ficou paralisada por interesse comercial da mesma família. Em 1881 avançou até Porto Alegre, atual Itaperuna, ficando aí parada por idênticos motivos.
Conhecido o objetivo da primitiva Leopoldina de chegar à Santa Luzia do Carangola, que para isto adquiriu a concessão da E. F. Alto-Muriahé em 1883, travou com a mesma uma batalha pelo domínio do Alto-Carangola. Contudo, ao chegar a Santo Antônio do Carangola (Santo Antônio dos Macacos) a Lepoldina já passava por lá a todo vapor. Não sabemos com que base legal a Carangola, uma concessão fluminense reivindicou o direito de penetrar em território mineiro e nem tão pouco a Leopoldina, uma concessão mineira, passar por território fluminense. Fizeram então um acordo pelo qual a Leopoldina não pararia em Santo Antônio do Carangola onde só haveria a estação de Carangola. A Leopoldina pararia somente em Antônio Prado (km 398,229, 304 m, 25/01/1886) e Tombos (km 427,872, 278 m, 08/12/1886).
Sob a liderança do veterano Juca Bravo (José Custódio Fernandes Lannes, esposo de Lucinda do Carmo Lannes, filha de José de Lannes, desbravador do Baixo-Carangola, o povo se revoltou, pois a Leopoldina lhes oferecia muitos atrativos, especialmente, para o Rio de Janeiro. O maior interesse do povo pela estação consistia que as viagens ao Rio de Janeiro pela Leopoldina se faziam no mesmo dia, ao passo que pela Carangola havia pernoite em Campos dos Goytacazes e a travessia do Rio Paraiba do Sul em balsa (Carangola não transpunha o rio). O povo tendo a frente o Juca Bravo arrancou os trilhos da Leopoldina no Centro de Santo Antônio do Carangola. Que tempos em que concessionárias e povo brigavam por ferrovia.
Surgiu um novo acordo: a Leopoldina teria uma parada em Santo Antônio do Carangola, o que, também não satisfez o povo, que exigia uma Estação. "Nenhuma providência tendo sido tomada à construção da estação, 'o povo voltou aos trilhos que desta vez foram parar no leito do rio Carangola. Oficiais da Guarda Nacional prestigiaram a operação comparecendo uniformizados a rigor.'" "E o povo não permitia o restabelecimento do tráfego. A Leopoldina realizou uma demonstração de força fazendo desfilar pelas ruas do arraial grande número de empregados com suas enxadas, picaretas, foices, etc. Como o ambiente se tornou seriamente carregado, o governo do estado determinou a vinda de praças sob o comando do Tenente Dória, para restabelecer a ordem. Diplomaticamente conseguiu o tenente acalmar os ânimos, prometendo interferir junto ao governo no sentido da construção da estação."
"O presidente do estado, José Tomáz de Porciúncula, mandou força para garantir o tráfego da estrada de ferro e ao mesmo tempo resolveu o problema da construção da estação à qual deram o nome de Porciúncula, em sua homenagem." Por fim surgiu a Estação Porciúncula tão belamente conservada e aproveitada. Um monumento não só ao ferroviarismo, mas a tão importante luta.
"Segundo o farmacêutico, fazendeiro, literato e poeta francês bretão Alexandre Brékel (1834/1901), desde muito estabelecido na fronteira entre os arraiais de Santo Antônio do Carangola, RJ e Nossa Senhora da Conceição dos Tombos, MG, com a Fazenda São Joaquim, no Vale da Perdição, contribuinte do Carangola: 'nos idos de 1885 já teriam começado os 'atritos entre a população e os trabalhadores da estrada de ferro. Esta estrada deveria passar pela minha propriedade, ao lado da nossa casa. Agora, a estrada passa a um quarto de légua distante da fazenda, e, dirigindo-se ao arraial de Santo Antônio, passa por êle, segue pela margem esquerda do rio Carangola e atinge o vilarejo de Tombos." Mais tarde: "já temos uma estrada de ferro a vinte quilômetros daqui."
No início de 1886: "Um francês idoso foi assassinado no arraial de Santo Antônio do Carangola...: Trabalhava na estrada de ferro. Mas, ficando doente, deixou o serviço, comprou uma casa" e lá passou a residir. Pelo final do mesmo ano: "O engenheiro Euler terminou o trecho da estrada de ferro que vai do arraial de Santo Antônio até o burgo de Tombos do Carangola. Veio trazer-me o seu adeus e irá para o sul da província de São Paulo estudar um projeto também de estrada de ferro" e mais: "Ouvi,..., o apito da Leopoldina ao passar a 2 000 metros (linha reta) da nossa casa."
"A estrada de ferro do Carangola passa a seis mil metros (pelo caminho de terra) daqui e pára em Santo Antônio. Tem o nome de Leopoldina e, atravessando o dito arraial, seguirá o rio e penetrará nas matas até chegar às margens do rio Doce, sòmente habitadas pelos índios botocudos, que, segundo informam, são... antropófagos." "Esta estrada... atrai muita gente: lavradores, médicos, farmacêuticos, comerciantes, engenheiros, mecânicos e operários de tôda espécie, além dos aventureiros - que são eméritos ladrões. Por isso, a Carangola perde dia a dia, suas características primitivas, com suas florestas desaparecendo sob o machado dos lenhadores. Por exemplo: continua a queima das árvores abatidas, o que é maneira fácil de preparar as terras ao plantio e cultivo do cafeeiro... O arraial de Santo Antônio progride: constroem-se muitas casas por lá e algumas até bastante confortáveis. Já conta dois pianos, um farmacêutico, uma vintena de negociantes, duas marcenarias etc."
"No começo do verão de 1887, diz da estação da Carangola, em Santo Antônio do Carangola, frente a qual seus dois genros se estabeleceram com a casa ''Campos & Nogueira, negociantes''. Diz das festividades de sua inauguração e que ''o seu término, devemo-lo a Mr. Bernard, engenheiro francês".
Em 1898 a inglesa LR - The Leopoldina Railway Company Limited incorporou quase todo o sistema de bitola métrica do Estado do Rio de Janeiro, do Leste do Estado de Minas Gerais e do Sul do Espírito Santo, formando uma rede cuja sede em 1926 veio a ser na Estação Barão de Mauá, km 0 da mesma, no Rio de Janeiro. Esgotada pela II Guerra Mundial (1939/1945) foi encampada em 1950 passando à EFL - Estrada de Ferro Leopoldina, no âmbito do MVOP - Ministério da Viação e Obras Públicas, da qual a Carangola foi a Linha Transversal Murundu (km 366,206, 61 m, 10/08/1878 da Linha Tronco Barão de Mauá - Vitória) - Porciúncula (km 441,908, 188 m, 26/06/1887 da Linha Tronco Porto-das-Caixas - Manhuaçu), com 105,703 km, 10 estações, 2 postos telegráficos e 6 paradas. Demais estações:
- Cardoso Moreira (Cachoeira) (km 390,086, 28 m , 04/12/1878);
- Italva (Monção) ( km 404,156, 42 m , 01/07/1880);
- Paraíso (km 411,767, 54 m , 01/07/1880); fábrica do Cimento Paraíso;
- Nossa Senhora da Penha (São Caetano) (km 424,931, 74 m , 10/04/1866);
- Aré (São Domingos) (km 429,462, 87 m , 09/06/1881) no Município de Itaperuna;
- Itaperuna (São José de Avai) (km 446,746, 113 m , 17/10/1881);
- Bananeiras (km 462,236, 153 m , 28/02/1887);
- Natividade do Carangola (Nossa Senhora de Natividade) (km 472,432, 181 m , 26/06/1887).
Entre elas destacamos a de Natividade, que está sendo recuperada. Esperamos a um espaço cultural contando a história da Carangola.
Numa tentativa de soerguer o nosso sistema férreo, através de financiamento internacional, foi instituída uma comissão mista Brasil/USA, que após alentado, demorado e dispendioso estudo, entre outras coisas, levou à criação da RFFSA - Rede Ferroviária Federal S/A., em 30/04/1957, reunindo as ferrovias do patrimônio da União, numa única organização estatal federal, mas tipicamente empresarial, a exemplo do que se fez, praticamente em todos os países da Europa. Contudo a situação das ferrovias como a Leopoldina tornou-se, ainda, mais fraca, com a perda de nível hierárquico.
Na ditadura militar grande extensão da mesma, incluindo a Carangola, foi extinta como anti-econômica, restando muito pouco de seu patrimônio, mormente bem mantido e utilizado. Note-se que a RFFSA, que está extinta, extinguira também a totalidade de seus serviços de passageiros.
Fonte: Volume V - Lepoldina - MPmemória.
Por Luiz Carlos Martins Pinheiro/ Coordenador da MPmemória. Engenheiro Ferroviário.
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