Resumo
Este texto busca refletir sobre a violência política de gênero, com base na Lei nº 14.192/2021, destacando como essa prática se manifesta no cenário político de Miracema-RJ.
A partir de dados oficiais e observações sociais, discute-se a banalização dessa violência e os desafios enfrentados por mulheres em espaços de poder. A análise ressalta a necessidade de resistência, sororidade e atuação ética das instituições frente a esse fenômeno.
Violência política de gênero é toda ação, comportamento ou omissão que busca limitar ou impedir a participação de mulheres na vida política. Isso se manifesta por meio de humilhações, constrangimentos, assédio, ameaças e discriminação — especialmente quando essas mulheres exercem cargos públicos ou se candidatam a eles. A Lei nº 14.192/2021 é um marco legal que tipifica e combate essa prática, reconhecendo seu impacto sobre a democracia e a igualdade de direitos.
O artigo 3º da referida lei define como crime:
"Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, ou ainda quem exerça funções públicas, com menosprezo ou discriminação à sua condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com o objetivo de impedir ou dificultar a sua atuação política" (BRASIL, 2021).
Na cidade de Miracema-RJ, observa-se a possibilidade de que mulheres que ocupam cargos de poder estejam sendo vítimas desse tipo de violência. A eleição da primeira mulher prefeita da história da cidade, assim como a ocupação de secretarias importantes por mulheres, como as de Meio Ambiente, Educação, Saúde e Assistência Social, trouxe um novo cenário político — mas também uma reação misógina velada, traduzida em críticas desproporcionais, tentativas de deslegitimação e ataques pessoais, muitas vezes disfarçados de oposição política.
Essas manifestações não são casuais. Refletem uma cultura machista e misógina profundamente enraizada, que ainda tenta rebaixar o papel da mulher na esfera pública. Dados do Dossiê Mulher 2023, com base em registros de 2022, revelam que Miracema apresentou:
• 52 casos de violência física;
• 50 de violência psicológica;
• 38 de violência moral;
• 12 de violência sexual;
• 9 de violência patrimonial.
Além disso, o Estado do Rio de Janeiro apresenta altos índices de violência contra a mulher, especialmente nas formas psicológica e moral, que frequentemente acompanham outras formas de agressão. Essas estatísticas demonstram que a agressão à mulher é, quase sempre, um processo sistemático de destruição da autoestima e da autoridade feminina.
A violência política não é diferente: começa com piadas, dúvidas sobre a competência, comentários sobre a aparência, e evolui para o assédio direto, ameaças e ataques públicos. Pergunta-se: como uma sociedade machista lida com a presença de mulheres no poder? A resposta é, muitas vezes, com hostilidade.
Em Miracema, percebe-se que figuras masculinas, muitas vezes autoproclamadas como legítimas representantes do discurso político, desferem ataques contra gestoras e autoridades femininas, sob a capa da crítica política, mas com evidente teor discriminatório. Há um claro tratamento desigual entre homens e mulheres que ocupam os mesmos espaços de liderança.
A ausência de mobilização institucional frente a esse cenário — seja por inação do Ministério Público, da Justiça ou de entidades de classe — reforça a banalização da ética e aprofunda o sentimento de impunidade. A democracia se fragiliza quando grupos vulnerabilizados são atacados e o sistema de justiça se omite.
Se no espaço doméstico muitas mulheres não denunciam por medo ou dependência emocional e financeira, no campo político, o medo da retaliação, da difamação pública e do isolamento institucional exerce função semelhante. Mas é preciso perguntar: qual será o limite do machismo na política? Até onde se estenderão esses ataques?
A violência política de gênero representa, portanto, um ataque à própria democracia, pois nega à mulher o direito pleno de participação nos processos decisórios da sociedade. O combate a essa prática exige não apenas leis — já existentes —, mas aplicação eficaz, formação cidadã, ação política e, sobretudo, coragem coletiva.
Que as mulheres em posição de poder possam se reconhecer umas nas outras, fortalecendo laços de sororidade e resistência. Que a sociedade, especialmente os homens, não se calem diante das injustiças. E que as instituições não falhem em proteger quem ousa construir um futuro mais justo.
Referências
BRASIL. Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021. Estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 5 ago. 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14192.htm. Acesso em: maio 2025.
INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA – ISP. Dossiê Mulher 2023. Rio de Janeiro: ISP, 2023. Disponível em: https://www.isp.rj.gov.br. Acesso em: maio 2025.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Disponível no blogue do autor.
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